segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Texto complementar N. 2.1

Texto complementar – Nº.2.1

Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA
Teorias Pedagógicas em Educação Física
Prof. Irapuan Ribeiro




HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO BRASIL


FASE HIGIENISTA - ATÉ 1930.
FASE DA MILITARIZAÇÃO (1930 - 1945).
FASE DA PEDAGOGIZAÇÃO (1945 - 1964).
FASE COMPETITIVISTA (1964).
FASE POPULAR (APÓS ABERTURA DEMOCRÁTICA).




FASE HIGIENISTA - EUGENIA (até 1930)

EUGENIA: Estudo de medidas sócio-sanitárias, sociais e educacionais que influenciam física e mentalmente, o desenvolvimento das qualidades hereditárias dos indivíduos e, portanto das gerações.

1822 - Rui Barbosa defende o parecer.
Crítica da elite dominante.
Trabalho físico x trabalho intelectual.
Rui e Fernando de Azevedo colocavam o físico a serviço do intelecto. Ressaltavam a importância da eugenização.
Visão da mulher frágil que deveria se tornar forte e sadia para gerar filhos. Liberação da Educação física para mulheres com prole. (Só em 1979 o CND derrubou deliberação de sua autoria que proibia a mulher de praticar determinados esportes).
1929 - Anteprojeto do ministério da guerra passava ao Conselho Superior de Ed. Física (subordinado a ele) o papel de centralizar, coordenar e fiscalizar as atividades relativas à Educação Física e ao Desporto.








FASE DA MILITARIZAÇÃO (1930 - 1945)

Constituição de 1937 - Finalidade de promover a disciplina moral e o adestramento físico de maneira a prepará-lo para o cumprimento dos seus deveres para com a economia e a defesa da nação. A Educação Física era vista como poderoso auxiliar no fortalecimento do Estado e possante meio para o aprimoramento da raça. Defesa contra o comunismo e assegurar o processo de industrialização.
Militarização do corpo:
- Moralização do corpo pelo exercício físico;
- O aprimoramento incorporado à raça;
- Ação do Estado sobre o preparo físico e suas repercussões no trabalho.

1938 - Proibição de matrícula no secundário para alunos cujo estado patológico impedissem que freqüentassem aulas de educação física.
Sugeriu-se inclusive a esterilização de doentes para impedir a geração de prole.
Exemplo da Juventude Hitlerista e Avanguardisti (Itália).

1942 - Declaração de Guerra. Começou a haver desmentidos em relação a filosofia da Educação Física.

1942 - Volta-se para o desenvolvimento econômico.
Criação do SENAI.
O dono da indústria não era apenas o patrão do seu empregado, mas também o seu educador. Além de o desporto servir para solidificar a unidade da empresa, desenvolvia a saúde e consequentemente a sua capacidade de trabalho.


FASE DA PEDAGOGIZAÇÃO (1945 - 1964)

Fim do Estado Novo, pré-elaboração de uma carta magna, que gerou um debate por parte de diversos educadores sobre os rumos da educação. Na prática houve apenas uma regulamentação do funcionamento e controle do que já estava estabelecido. A Educação Física passou a ser vista como uma prática meramente educativa.
A formação acadêmica na Educação Física era bastante diferenciada das demais faculdades, pois para essa exigia-se apenas o curso secundário e tinha a duração de dois anos, diferentemente de outras faculdades criadas à mesma época (Pedagogia, Filosofia e Letras) que tinha a duração de quatro anos.
A habilitação do profissional de Educação Física também era diferenciada dos demais cursos. Formavam-se profissionais nos seguintes níveis: técnicos, especialistas, monitores e professores.
Em 1945 o Curso de Educação Física passa de 2 para 3 anos e em 1950 passa-se a exigir para a prestação do vestibular, o certificado de conclusão do curso clássico ou científico.




FASE COMPETITIVISTA (1964)

Teve início com a revolução. Existia uma censura à imprensa e as artes que contradiziam os interesses militares. Expoentes da política, literatura, artes, música e intelectuais das mais diversas áreas eram vigiados e perseguidos, sendo muitos deles obrigados a se exilarem. Esta fase tem um caráter altamente tecnicista
Educação Física = Desporto de alto nível
Atleta herói
Seleção de 1970 (México).
Atletas militares medalhistas em olimpíadas
Eleva o espírito ufanista Brasileiro.
Propaganda mostra a força do povo Brasileiro e a necessidade de se acreditar no País.


FASE POPULAR (APÓS A ABERTURA DEMOCRÁTICA)

Sem linha teórica definida. Ligada a modismos (academia, testes físicos, novas modalidades desportivas), ludicidade.
Filosofia que visava à organização e mobilização dos trabalhadores.
Crise de identidade da educação física


TENDÊNCIA SOCIAL

Busca de uma socialização da educação física. Preocupação com uma educação física voltada para os deficientes e terceira idade, meninos de rua, etc.
Estudo de teorias.















Bibliografia consultada:
Acesso em: 24/07/2008
Disponível em:
www.unb.br/fef/downloads/ronaldo/historico_da_ed_fisica.ppt

Texto Complementar 2.2

Texto Complementar – Nº. 2.2

Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA
Teorias Pedagógicas em Educação Física
Prof. Irapuan Ribeiro




BREVE HISTÓRICO A RESPEITO DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO BRASIL

Para melhor aprofundamento neste contexto buscamos iniciar este capítulo fazendo um breve comentário sobre a Educação Física no Brasil, para podermos entender melhor a Educação Física ao longo dos tempos.
No século passado a Educação Física escolar sofreu influências das diferentes tendências pedagógicas, filosóficas, científicas e políticas que marcaram cada período, passando por mudanças significativas.
Nesse mesmo período histórico ocorreu a importação de modelos das práticas corporais, como sistemas ginásticos, alemães, suecos e método francês, entre as décadas de 10 e 20. Em seguida sofrendo influências da filosofia positivista da área médica, militar, pedagógica, competitiva e popular. A seguir abordaremos as concepções procurando levantar características fundamentais e essências de cada uma.

A Educação Física Higienista tem como papel fundamental a formação de homens e mulheres sadios, fortes, e dispostos a ação. Mais do que isso a Educação Física Higienista não se responsabiliza somente pela saúde individual das pessoas, age como protagonista num projeto de prevenção social. Desta forma os jogos recreativos, a ginástica, o desporto etc., devem antes de qualquer coisa, disciplinar os hábitos das pessoas nos sentido de levá-las a se afastarem de práticas capazes de provocar a deterioração da saúde e da moral, o que “comprometeria a vida coletiva”.
Assim, a perspectiva da Educação Física Higienista visa a possibilidade e a necessidade de resolver o problema da saúde pública pela educação. A idéia central é a disseminação de padrões de conduta, forjado pelas elites dirigentes, entre todas as outras classes sociais. Os meios para alcançar tal padrão são encontrados na adoção de um correto programa de atividade física.
Segundo Ghiraldelli (1985). A Educação Física Higienista é uma concepção que se preocupa em construir a Educação Física como agente de saneamento público, na busca de uma sociedade livre das doenças infecciosas e dos vícios danificados da saúde e do caráter do homem do povo.

A Educação Física Militarista não se resume numa prática militar de exercício físico. É, acima disso, uma concepção que visa impor toda sociedade e padrões de comportamentos repetidos. Todavia, o objetivo fundamental da Educação Física Militarista é a obtenção de uma juventude capaz de suportar combates, a luta, a guerra. Por sua vez, visa a formação do “cidadão-soldado”, capaz de obedecer cegamente e de servir de exemplo para o restante da juventude pela sua bravura e coragem.

A Educação Física Pedagogista é uma concepção que vai reclamar da sociedade a necessidade de encarar a Educação Física não somente como uma prática capaz de promover à saúde ou disciplinar a juventude, mais de encarar a Educação Física como uma prática eminentemente educativa. É mais que isto, ela vai advogar a “Educação do Movimento” como única forma capaz de promover a chamada “Educação Integral” e está preocupado com a juventude que freqüenta as escolas. A ginástica, a dança, o desporto etc., é meio de Educação do alunado, e são instrumentos capazes de levar a juventude aceitar as regras de convívio democrático e de preparar as novas gerações para o bem estar, oculto a riquezas nacionais etc.

A Educação Física Competitivista tem como objetivo fundamental a caracterização da competição e da superação individual como valores fundamentais e desejados para uma sociedade moderna. A Educação Física Competitivista volta-se então para oculto do atleta-herói, reduzindo a Educação Física a um desporto de alto nível.

A Educação Física Popular é sustentada quase exclusivamente numa teorização oralmente entre as gerações de trabalhadores deste país, que ocorreu no movimento operário e popular que buscava a ludicidade e cooperação dos trabalhadores que está intimamente ligado ao movimento de organização das classes populares para a prática social.
Na década de 70, a Educação Física Escolar, a partir do decreto n° 69.450, de 1971, passou a ser considerada como “atividade que por seus meios, processos técnicos, desenvolvem e aprimora a força física moral, cívicas, psíquicas e sociais do educando”. O decreto deu ênfase à aptidão Física e a iniciação esportiva, a partir da 5ª série como forma de que fossem descobertos talentos para representar a pátria fora do país.
Na década de 80 os efeitos desse modelo começaram a ser sentidos e contestados. O Brasil não se tornou uma nação olímpica e a competição esportiva não aumentou o número de praticantes de atividades físicas. Iniciou-se então uma profunda crise de identidade na Educação Física, que originou uma mudança significativa nas políticas educacionais. A Educação Física escolar, que estava voltada para a escolaridade de quinta as oitavas séries do primeiro grau, passou a priorizar a partir da pré-escola. O enfoque passou a ser o desenvolvimento psicomotor do aluno, tirando da escola a função de promover os esportes de auto-rendimento.
Atualmente se concebe a existência de algumas abordagens, como: psicomotor, construtivista, desenvolvimentista e a crítica, para a Educação Física escolar, sistematizando uma reflexão sobre a pratica pedagógica concreta de escola e professores, que muitas vezes dentro de situações desfavoráveis seguem inovando.








Bibliografia consultada:
SILVA, Dino Marques Fontenele. A participação dos alunos nas aulas de Educação Física no ensino médio,2007. 41f. Monografia (Graduação em Educação Física) – Curso de Educação Física, Universidade Estadual Vale do Acaraú, SobraL, 2007.

Texto Complementar N. 4

Texto Complementar N°. 4
Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA
Teorias Pedagógicas em Educação Física
Prof. Irapuan Ribeiro





TENDÊNCIAS EDUCACIONAIS: CONCEPÇÃO HISTÓRICO-CULTURAL E TEORIA HISTÓRICO-CRÍTICA

Vera Regina Oliveira Alves


RESUMO: Este artigo visa levantar questionamentos referentes às tendências educacionais em questão. Diante de sua complexidade, professores, embora tendo conhecimento sobre algumas, não dominam esse saber em sala de aula. È muito comum ouvi-los dizer: na teoria é fácil, mas na prática! Haja vista, que mesmo acreditando estarem trabalhando certa teoria, na verdade não estão. Faz no final uma mistura delas. Seria esse o caminho correto a seguir? Professores melhores qualificados, conhecedores da diversidade teórica, não teriam condições mais adequadas, que correspondessem as suas necessidades e a de seus alunos? É nessa perspectiva que esta pesquisa aponta sugestões de como a concepção psicológica histórico-cultural de Vygotsky e outras, podem dar embasamento à teoria histórico-crítica de Saviani e podem estar auxiliando, professores, no processo ensino aprendizagem.

Palavras-Chave: Tendência educacional, professor, concepção psicológica histórico-cultural e teoria histórico-
crítica.

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa tem como objetivo, levantar, sinteticamente, alguns pontos que possam se referir às teorias em educação. As tendências pedagógicas têm basicamente sua origem em movimentos sociais, filosóficos e antropológicos em determinados momentos da história humana, terminam assim por influenciar as práticas pedagógicas associadas às expectativas da sociedade. Neste caso é importante ao professor em formação e ao que já se encontra atuando, o conhecimento de tais tendências a fim de construir conscientemente a sua própria trajetória político-pedagógica. Somente a partir deste conhecimento, e de autoconhecimento é que poderá propor mudanças a fim de transformar fazeres e saberes, problematizando-os, inserindo-os no cotidiano e na própria expressão do educador.
Na verdade, conhecendo a teoria que sustenta a sua prática, o educador pode desejar e fazer a sua transformação em direção a conscientização e à conseqüente liberação de condicionantes sociais, tornando o processo ensino aprendizagem algo realmente significativo tanto para o educador como para o educando.
Diante do pressuposto, sem ser nosso objetivo questionar a prática docente, partirmos de uma perspectiva discutida por Libâneo (1994), Saviani (2003), Vygotsky (1991) e outros autores que se preocupam ou se preocuparam em analisar as diversas teorias educacionais existentes no Brasil.

TENDÊNCIAS EDUCACIONAIS: UM ESTUDO PARA A PRÁTICA EM SALA DE AULA

As Tendências Pedagógicas Liberais tiveram seu início no século XIX, tendo recebido as influencias do ideário da Revolução Francesa (1789), de “igualdade, liberdade, fraternidade”, foi também, determinante do liberalismo no mundo ocidental e do sistema capitalista. Onde estabeleceu uma forma de organização social baseada na propriedade privada dos meios de produção, o que se denominou como sociedade de classes. Sua preocupação básica é o cultivo dos interesses individuais e não sociais. Para esta tendência educacional, o saber já produzido (conteúdos de ensino) é muito mais importante que a experiência do sujeito e o processo pelo qual ele aprende, mantendo o instrumento de poder entre dominador e dominado.
Na Tendência Liberal Tradicional é tarefa do professor fazer com que o aluno atinja a realização pessoal através de seu próprio esforço. O cultivo do intelecto é descontextualizado da realidade social com ênfase para o estudo dos clássicos e das biografias dos grandes mestres. A transmissão é feita a partir dos conteúdos acumulados historicamente pelo homem, num processo cumulativo, sem reconstrução ou questionamento. A aprendizagem se dá de forma receptiva, automática, sem que seja necessário acionar as habilidades mentais do aluno além da memorização.


Seu método enfatiza a transmissão de conteúdos e a assimilação passiva. É ainda intuitivo, baseado na estimulação dos sentidos e na observação. Através da memorização, da repetição e da exposição verbal, o professor chega a um interrogatório (tipo socrático), estimulando o individualismo e a competição. Envolve cinco passos que segundo Friedrich Herbart são os seguintes: preparação, recordação, associação, generalização e aplicação.
Já a Tendência Liberal Renovada trata de um novo pensamento pedagógico internacional, que inspirado em John Dewey, veio revolucionar o tradicionalismo na educação brasileira, sofrendo esta, baseada em Augusto Comte inspiração positivista.
Para essa tendência o papel da escola é o de atender as diferenças individuais, as necessidades e interesses dos alunos, enfatizando os processos mentais e habilidades cognitivas necessárias a adaptação do homem ao meio social. Sendo o aluno o centro e sujeito do conhecimento.
Segundo Libâneo (1994), esta tendência em nosso país segue duas versões distintas: a Renovada Progressivista (que se refere a processos internos de desenvolvimento do indivíduo; não confundir com progressista, que se refere a processos sociais) ou Pragmatista, inspirada nos Pioneiros da Escola Nova, e a Tendência Renovada não-Diretiva, inspirada em Carl Rogers e A.S.Neill, que se volta muito mais para os objetivos de desenvolvimento pessoal e relações interpessoais, (sendo que este último não chegou a desenvolver um sistema a respeito dos métodos da educação). No Brasil, há que se destacar o papel fundamental de Anísio Teixeira como grande incentivador da pedagogia renovada na escola pública.
Seu método de ensino é o ativo, que inicialmente caracteriza-se pelo método “aprender fazendo” e após a junção dos cinco passos, propostos por Dewey: experiência, problema, pesquisa, ajuda discreta do professor, estudo do meio natural e social desenvolve o “aprender a aprender”, que privilegiando os estudos independentes e também os estudos em grupo, seleciona uma situação vivida pelo aluno, que seja desafiante e que careça de uma solução para um problema prático.
Para Saviani, apud Gasparin (2005), por estes motivos, e entre outros de ordem política, a Escola Nova seguidora dessas vertentes, acaba por aprimorar o ensino das elites e rebaixando o das classes populares. Mas, mesmo recebendo esse tipo de crítica, podemos considerá-la como o mais forte movimento “renovador” da educação brasileira.
A Tendência Liberal Tecnicista tem seu início, com o declínio no final dos anos 60, da Escola Renovada. Quando mais uma vez, sob a instalação do regime militar no país, as elites dão ênfase a um outro tipo de educação direcionada às massas, a fim de conservar a posição de dominação, ou seja, manter o status quo dominante.
Atendendo aos interesses da sociedade capitalista, inspirada especialmente na teoria behaviorista, corrente comportamentalista organizada por Skinner e na abordagem sistêmica de ensino, traz como verdade absoluta à neutralidade científica e a transposição dos acontecimentos naturais à sociedade.
Negando os determinantes sociais, o tecnicismo tinha como princípios à racionalidade, a eficiência, a produtividade e a neutralidade científica produzindo no âmbito educacional, uma enorme distância entre o planejamento, preparado por especialistas e não por professores, seus meros executores, e a prática educativa.
Neste período, a escola passa a ter seu trabalho parcelado, fragmentado a fim de produzir determinados produtos desejáveis pela sociedade capitalista e industrial. Muitas propostas surgem como enfoque sistêmico, o micro-ensino, o tele-ensino, a instrução programada, entre outras. Subordina a educação à sociedade, tendo como função principal à produção de indivíduos competentes, ou seja, a preparação da mão-de-obra especializada para o mercado de trabalho a ser consolidado.
Neste contexto a pedagogia tecnicista termina contribuindo ainda mais para o caos no campo educativo, gerando, assim, a inviabilidade do trabalho pedagógico.
Seu método é o da transmissão e recepção de informações. Nele o aluno é submetido a um processo de controle do comportamento, a fim de que os objetivos operacionais previamente estabelecidos possam ser atingidos. Trata-se do “aprender fazendo”.
Se nas Tendências Liberais a escola possuía uma função equalizadora, nas Tendências Progressistas, derivada das teorias críticas, ela passa a ser analisada como reprodutora das desigualdades de classe e reforçadora do modo de produção capitalista.
Tendo surgido na França a partir de 1968, e no Brasil com a Revolução Cultural, nas Tendências Progressistas, a escola passa a ser vista não mais como redentora, mas como reprodutora da classe dominante. Snyders (1994) foi o primeiro a usar o termo “Pedagogia Progressista”, partindo de uma análise crítica da realidade social, sustentando, implicitamente, as finalidades sociais e políticas da educação.
Três teorias como movimento mundial, tiveram grande repercussão, foram e têm sido fundamentais para a desmistificação da concepção ingênua e a-crítica da escola: teoria do Sistema enquanto Violência Simbólica (Bourdieu e Passeron, 1970); teoria da escola enquanto Aparelho Ideológico do Estado (AIE, Althusser, 1968); e teoria da escola Dualista (Baudelot e Establet, 1971), todas elas denominadas como “crítico-reprodutivistas”, não apresentam, no entanto, explicitamente uma proposta pedagógica, limitando se apenas, a explicar as razões do fracasso escolar e da marginalização das classes populares, além da necessidade de superação, tanto da “ilusão da escola como redentora, como da impotência e o imobilismo da escola reprodutora” (Saviani, 2003a).
Nessa perspectiva, Libâneo (1994), designa a Pedagogia Progressista três tendências:
A Pedagogia Progressista Libertadora que partindo de uma análise crítica das realidades sociais, sustenta, os fins sócio-políticos da educação. Teve seu início com Paulo Freire, nos anos 60, rebelando-se contra toda forma de autoritarismo e dominação, defendendo a conscientização como processo a ser conquistado pelo homem, através da problematização de sua própria realidade. Revolucionária, preconizava a transformação da sociedade e acreditava que a educação, por si só, não faria tal revolução, embora fosse uma ferramenta importante e fundamental nesse processo.
A teoria educacional freireana é utópica, em seu sentido de vir-a-ser, de inédito viável, expressões usadas por Freire, e esperançosa, porque deposita na transformação do homem a idéia de que mudar é possível, e que não estamos necessariamente imobilizados por estarmos submetidos a papéis pré-determinados em uma sociedade de classes. Segundo ele, apesar de os seguidores dessa tendência não terem tido a preocupação com uma proposta pedagógica explicita, havia uma didática implícita em seus “círculos de cultura”, sendo cerne da atividade pedagógica a discussão de temas sociais e políticos, que a nós nos parece claro ser o método dialógico, usado para o despertar da consciência política dos analfabetos adultos.
A Pedagogia Progressista Libertária tem como idéia básica modificações institucionais, que a partir dos níveis subalternos, vão “contaminando” todo o sistema, sem modelos e recusando-se a considerar qualquer forma de poder ou autoridade.
Percebemos esta tendência como decorrência a uma abertura para uma sociedade democrática, que vai se firmando lentamente a partir do início dos anos 80, com a volta dos exilados políticos e a liberdade de expressão nos meios acadêmicos, políticos e culturais do país. Firmando-se os interesses por escolas realmente democráticas e inclusivas e a idéia do projeto político pedagógico da escola como forma de identificação política que atenda aos interesses locais e regionais, primando por uma educação de qualidade para todos. A participação em grupos e movimentos sociais na sociedade, além dos muros escolares, é incentivada e ampliada, trazendo para dentro dela a necessidade de concretizar a democracia, através de eleições para conselhos, direção da escola, grêmios estudantis e outras formas de gestão participativa.
No Brasil, os libertários recebem a influência do pensamento de Celestin Freinet e suas técnicas na qual os próprios alunos organizavam os seus plano de trabalho. O método de ensino é a própria autogestão, tornando o interesse pedagógico dependente de suas necessidades ou do próprio grupo.
A Pedagogia Progressista Crítico-Social dos Conteúdos tendo sido fortalecida a princípio na Europa e depois no Brasil, a partir da década de 80, foi considerada como sinônimo de pedagogia dialética, no sentido da “dialógica”. Firmando-se como teoria que busca captar o movimento objetivo do processo histórico, uma vez que concebe o homem através do materialismo histórico-marxista, trata-se de uma síntese superadora do que há de significado na Pedagogia Tradicional e na Escola Nova, direcionando o ensino para a superação dos problemas cotidianos da prática social e, ao mesmo tempo, buscando a emancipação intelectual do aluno. Aluno este, concreto, inserido num contexto de relações sociais. Da articulação entre a escola e a assimilação dos conteúdos por parte deste aluno concreto é que resulta o saber criticamente elaborado (Libâneo, 1990).
Esta tendência prioriza, o domínio dos conteúdos científicos, os métodos de estudo, habilidades e hábitos de raciocínio científico, como modo de formar a consciência crítica face à realidade social, instrumentalizando o homem como sujeito da história, apto a transformar a sociedade e a si próprio. Seu método de ensino parte da prática social, constituindo tanto o ponto de partida como o ponto de chegada, porém, melhor elaborado teoricamente.
Os autores, Libâneo e Saviani, ao interpretar a pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos chegaram ao consenso de que dela parte uma das fases, entre tantas outras, de fundamento para a pedagogia Histórico-Crítica (SAVIANI, 2003b, p.84).
O que se deseja com esta pesquisa, é apresentar aos professores, e educadores, os passos dessa pedagogia, tendo como base todo um contexto histórico pedagógico, numa tentativa de entender, como se movem na atualidade, diante de tantos desafios, equívocos, confusões, incertezas e, ainda, das novas necessidades da educação. A exploração desse conhecimento pode revelar-se extremamente útil aos processos educativos em geral e diante do que exige a sociedade, e a nova consciência humana.
A pedagogia Histórico-Crítica surge, no Brasil por volta de 1984, como tentativa a essa superação, origina-se no materialismo histórico que, em sala de aula, se expressa na metodologia dialética de construção sócio-individualizada do conhecimento.
Concluindo que essa teoria responde aos três grandes passos do método dialético de construção do conhecimento: prática-teoria-prática, entende Gasparin (2003 p.151), ser viável a junção da Concepção Psicológica Histórico-Cultural à Teoria Histórico-Crítica na realidade da sala de aula. Isso por constatar que existe grande dificuldade para elaborar um plano de atividades que procure colocar em prática os princípios desta nova metodologia de ensino-aprendizagem.
E também, nesse sentido, a partir da contribuição de Sanchez Vázquez (1968); Saviani, elaborou o significado de práxis, entendendo-a como um conceito sintético que articula a teoria e a prática. A prática para desenvolver-se e produzir suas conseqüências, necessita da teoria e precisa ser por ela iluminada. É a prática ao mesmo tempo, fundamento, critério de verdade e finalidade da teoria, é, portanto da prática que se origina a teoria.
Quando falamos em uma tendência, normalmente pensamos na teoria, o que nos leva a pensar em termos de sua consistência lógica, em seu potencial e influxo em direção a prática pedagógica. E não pensamos, no caminho inverso, isto é, no caminho que vai da prática a teoria.
E é este o ponto fundamental levantado por este texto, ou seja, buscar enfrentar e vencer desafios tendo como referencia a pedagogia histórico-crítica, que, grosso modo, também enfrenta, entre outros, dois grandes desafios teóricos: o primeiro implicaria desenvolver aspectos da teoria que ainda requerem maior elaboração; o segundo seria sistematizar, explicitar aspectos que a teoria já contém, mas ainda não deu a eles uma forma articulada, orgânica, ampla, totalizante e coerente. Um desses aspectos diz respeito, à articulação psicológica. Sobre o assunto e a abrangência dos procedimentos metodológicos relativos ao desenvolvimento da prática de ensino em sala de aula, Suze Scalcon (2002) avança significativamente na compreensão dessa teoria.
Assim, com ênfase em Gasparin (2003-2005), descreveremos, resumidamente, os cinco passos metodológicos dessa teoria, evidenciando como entendemos que cada uma dessas fases deva ser traduzida para a prática escolar.

1 - PRÁTICA SOCIAL INICIAL

Saviani, apud Gasparin (2005) ao explicitar o primeiro passo de seu método pedagógico afirma ser ele o ponto de partida de todo o trabalho docente. Evidencia que a prática social é comum a professores e alunos. Consiste este passo, no primeiro contato que o aluno mantém com o conteúdo trabalhado pelo professor. Sendo a visão do aluno, uma visão de senso comum, empírica, geral, uma visão um tanto confusa, ou seja, sincrética, onde tudo de certa forma, aparece como natural. Nesta fase, deve, então o professor, posicionar se em relação à mesma realidade de maneira mais clara e, ao mesmo tempo, com uma visão mais sintética. A fim de conduzir o processo pedagógico com maior segurança e realizar o planejamento de suas atividades antecipadamente. Ao dialogar com seus alunos sobre o tema a ser estudado mostrará a eles o quanto já conhecem sobre o assunto, evidenciando, que a temática desenvolvida em sala de aula, está presente na prática social, ou seja, em seu dia a dia.
Sendo assim, a assimilação das características fundamentais de um conceito será muito mais fácil para o aluno quando os traços definidores desse conceito se apresentarem com as imagens visuais correspondentes.

2 - PROBLEMATIZAÇÃO

O segundo passo, constitui o elo entre a prática e a instrumentalização. “Trata-se de detectar que questões precisam ser resolvidas no âmbito da prática social e, em conseqüência, que conhecimento é necessário dominar” (Saviani, 1999, p.80).
A problematização é o elemento-chave na transição entre prática e teoria, torna-se fundamental para o encaminhamento de todo o processo de trabalho docente-discente.
Os principais problemas são as questões fundamentais que foram apreendidas anteriormente pelo professor e alunos e que precisam ser resolvidas, não pela escola, ou na escola, mas no âmbito da sociedade como um todo. A problematização é, então, o fio condutor de todas as atividades que os alunos desenvolverão no processo de construção do conhecimento.

3 - INSTRUMENTALIZAÇÃO

Esta fase, segundo Saviani (1991, p.103) consiste na apreensão, “dos instrumentos teóricos e práticos necessários ao equacionamento dos problemas detectados na prática social (...). Apud Gasparin (2003, p.54), trata-se da apropriação pelas camadas populares das ferramentas culturais necessárias à luta que travam diuturnamente para se libertar das condições de exploração em que vivem”. É o momento do método que passa da síncrese a síntese a visão do aluno sobre o conteúdo escolar presente em sua vida social.
A tarefa do professor e dos alunos, nesta fase, desenvolve-se através de ações didático-pedagógicas necessárias à efetiva construção conjunta do conhecimento nas dimensões científica, social e histórica. Consiste em realizar as operações mentais de analisar, comparar, criticar, levantar hipótises, julgar, classificar, conceituar, deduzir, generalizar, discutir explicar, etc. Na instrumentalização o educando e o educador efetivam o processo dialético de construção do conhecimento que vai do empírico ao abstrato chegando, assim, ao concreto, ao realizável.

4 - CARTASE

Esta é a fase em que o educando mostra que de uma síncrese inicial sobre a realidade social do conteúdo que foi trabalhado, chega agora à síntese, que é o momento em que ele estrutura, em nova forma, seu pensamento sobre as questões que o conduziram a construção do conhecimento. Segundo Saviani (1999 p.80-81), “o momento cartático pode ser considerado como o ponto culminante do processo educativo, já que é ai que se realiza pela mediação da análise levada a cabo no processo de ensino, a passagem da síncrese à síntese”. É o momento que se assemelha a um grito de gol. É a conclusão de todo um trabalho, mas que deverá continuar sempre em construção, através dos tempos e de novos conhecimentos.

5 - PRÁTICA SOCIAL FINAL

Conforme Saviani (1999, p.82), a prática social inicial e final é a mesma, embora não o seja. É a mesma enquanto se constitui “o suporte e o contexto, o pressuposto e o alvo, o fundamento e a finalidade da prática pedagógica. E não é a mesma, se considerarmos que o modo de nos situarmos em seu interior se alterou qualitativamente pela mediação da ação pedagógica...”. Professor e alunos se modificaram intelectualmente e qualitativamente em relação as suas concepções sobre o conteúdo que reconstruíram, passando de um estágio de menor compreensão científica, social e histórica a uma fase de maior clareza e compreensão.
Essa proposta de trabalho pode referir-se tanto as ações intelectuais quanto aos trabalhos manuais físicos. A prática social final é assim, o momento da ação consciente do educando dentro da realidade em que vive. É uma proposta metodológica de apropriação e de reconstrução do conhecimento sistematizado buscando evidenciar que todo o conteúdo que é trabalhado na escola e pelo aluno, através do processo pedagógico, retorna agora, de maneira nova e compromissada, para o cotidiano social a fim de ser nele um instrumento a mais na transformação da realidade. Seus passos, aqui apresentados, embora de modo formal, aparecem como se fossem independentes e estanques, mas na realidade prática eles constituem um todo indissociável e dinâmico, onde cada fase interpreta as demais. Assim, a prática social inicial e final é o conteúdo reelaborado pelo processo escolar. A problematização, a instrumentalização e a cartase são os três passos de efetiva construção do conhecimento na e para a prática social.
Segundo Gasparin (2003), o primeiro passo da pedagogia histórico-crítica diz respeito ao nível de desenvolvimento real do educando; prática social inicial; o segundo, constitui o elo entre a prática social e a instrumentalização; é a problematização; o terceiro, relaciona-se às ações didático-pedagógicas para a aprendizagem; instrumentalização; o quarto, a expressão elaborada da nova forma de entender a prática social; cartase; e o quinto e último, ao nível de desenvolvimento atual do educando; prática social final. Sendo que os três passos intermediários compõem a zona de desenvolvimento imediato ou proximal do educando, (Vygotsky, 1991).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim, considerando que a leitura deste artigo possa ser de grande utilidade a todos que se preocupem com a educação, e de modo particular, àqueles que compartilhem das idéias constitutivas da Concepção Psicológica Histórico-Cultural e Pedagogia Histórico-Crítica, e ainda, concordando com Saviani, para àqueles que perfilham idéias diferentes ou opostas a essa Teoria, viabiliza-se uma prática de ensino, de teor crítico, que busque elevar a qualidade da formação ministrada no âmbito de nossas escolas.
Espera-se, de acordo com essa perspectiva, contar com o apoio de pessoas que se interessem em seguir os passos metodológicos dessa pedagogia em seu trabalho educacional. Por ser esta teoria comprometida com o conceito geral do desenvolvimento da realidade humana, propor-se a identificar as formas do saber objetivo produzido historicamente para que os alunos não apenas assimilem o saber, mas apreendam o processo de sua produção, bem como as tendências atuais para sua transformação. Sendo constatado durante a pesquisa bibliográfica existir diversas teorias educacionais, cabe ao professor/educador buscar conhecê-las e adequá-las à realidade do aluno em sala de aula para melhor qualificação do processo ensino e aprendizagem.




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

GASPARIN, João Luiz. Uma Didática para a Pedagogia Histórico-Crítica. 2ª ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2003.
__________ Metodologia Histórico-Crítica: processo dialético de construção do conhecimento escolar. Obtida via internet: www.educação on-line.pro.br/metodologia_histórico.asp. Acesso em 28 de jul. 2005.
LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da Escola Pública: a pedagogia crítico-social dos conteúdos. São Paulo: Loyola, 1990.
__________ Didática. São Paulo: Cortez, 1994.
MOREIRA, Carmen Tereza Velanga. (coord). Estado da Arte da Pesquisa em Educação em Rondônia. Relatório Parcial das Atividades Desenvolvidas no Projeto de Pesquisa - CNPq/PIBIC - Porto Velho, RO: 2005.
SAVIANI, Demerval. Escola e Democracia. 36ª ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2003.
__________ Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aproximações. 8ª ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2003.
VYGOTSKY,L S. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
Acesso em 24/07/2008
Disponível em:
http://www.google.com.br/search?hl=ptBR&q=teoria+pedag%C3%B3gica+progressista&meta=cr%3DcountryBR&btnG=Pesquisa+Google

Texto Complementar( Valter Bracht)

A constituição das teorias pedagógicas da educação física
* Professor de Educação Física do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo.

A utilização de aspas na expressão educação “corporal” fornece
uma pista de uma das questões que pretendemos colocar. A tradição
racionalista ocidental tornou possível falar confortavelmente da possibilidade
de uma educação intelectual, por um lado, e de uma educação física
ou corporal, por outro, quando não de uma terceira educação, a moral
– expressão da razão cindida das três críticas de I. Kant, filósofo que, não
obstante, segundo Welsch (1988), preocupou-se intensamente com as
mediações entre as diferentes dimensões da racionalidade. Essas educações
teriam alvos, objetos bem distintos: o espiritual ou mental (o intelecto),
por um lado, e o corpóreo ou físico, por outro, resultando da soma a
educação integral (educação intelectual, moral e física). É claro, o alvo era
ou é o comportamento humano, mas influenciá-lo ou conformá-lo pode ser
alcançado pela ação sobre o intelecto e sobre o corpo. Também na melhor
tradição ocidental, a educação “corporal” vai pautar-se pela idéia, culturalmente
cristalizada, da superioridade da esfera mental ou intelectual –
a razão como identificadora da dimensão essencial e definidora do ser
humano. O corpo deve servir. O sujeito é sempre razão, ele (o corpo) é
sempre objeto; a emancipação é identificada com a racionalidade da qual
o corpo estava, por definição, excluído.1
A esse respeito, assim se expressa Santin (1994, p. 13):
A racionalidade foi proclamada como a especificidade exclusiva
e única das dimensões humanas. O humano do homem ficou
enclausurado nos limites da racionalidade. Ser racional e ter o
uso da razão constituíram-se nos únicos pressupostos para assegurar
os plenos direitos de pertencer à humanidade.
Ou, como afirma Gil (1994) em seu brilhante Monstros, referindose
à visão de corpo-máquina:
Deu-se uma transferência dos poderes do corpo para o espírito:
de nada serve ao corpo estar substancialmente unido ao espírito
(e, assim, tornar-se vivo e indivisível), é este último que define a
sua natureza humana. Doravante, o único defeito do corpo é poder
levar a alma a enganar-se. (p. 169)
As teorias ou metanarrativas que circunstanciam o projeto da
modernidade e que projetavam perspectivas para a humanidade não
Cadernos Cedes, ano XIX, nº 48, Agosto/99 71
reservavam ao corpo (a seus desejos, suas fantasias etc.) papel central.
Não lhe atribuíam papel importante para a construção de uma prática
emancipatória, como também nenhum papel subversivo. A emancipação
humana (iluminista) dar-se-ia pela razão, pela consciência
desencarnada. As teorias da consciência, mesmo as de orientação
positivista, são mentalistas – vai ser a psicanálise, que não casualmente
não goza de grande prestígio acadêmico, que colocará o corpóreo, a
dimensão não-racionalizada, como elemento importante para o entendimento
das ações humanas.
Nas teorias do conhecimento da modernidade, que têm sua expressão
máxima no chamado método científico (a ciência moderna), o
corpo ou a dimensão corpórea do homem aparece como um elemento
perturbador que precisa ser controlado pelo estabelecimento de um procedimento
rigoroso (por exemplo: Francis Bacon e os idola).
Para Veiga Neto (1996), se existe alguma culpa na ciência ou na
racionalidade moderna, ela se situa na divisão entre res estensa e res
cogitans, pois essa separação fundamentou o nosso afastamento em relação
ao resto do mundo. Esse afastamento, segundo o autor, deixa-nos
sem compromisso com o destino de tudo o que nos cerca, incluindo aí
os outros homens e mulheres. Tal separação está na base da idéia do
controle racional do mundo.
Tanto as teorias da construção do conhecimento como as teorias da
aprendizagem, com raras exceções, são desencarnadas – é o intelecto que
aprende. Ou então, depois de uma fase de dependência, a inteligência ou
a consciência finalmente se liberta do corpo. Inclusive as teorias sobre
aprendizagem motora são em parte cognitivistas. O papel da corporeidade
na aprendizagem foi historicamente subestimado, negligenciado. Hoje é
interessante perceber um movimento no sentido de recuperar a “dignidade”
do corpo ou do corpóreo no que diz respeito aos processos de aprendizagem.
Isso acontece, curiosamente, por intermédio dos desenvolvimentos
nas ciências naturais (ver a respeito Assmann 1996).
Mas claro que esse entendimento de ser humano tem bases concretas
na forma como o homem vem produzindo e reproduzindo a vida.
Nesse sentido, o corpo sofre a ação, sofre várias intervenções com a finalidade
de adaptá-lo às exigências das formas sociais de organização da
produção e da reprodução da vida. Alvo das necessidades produtivas (corpo
produtivo), das necessidades sanitárias (corpo “saudável”), das necessidades
morais (corpo deserotizado), das necessidades de adaptação e
72 Cadernos Cedes, ano XIX, nº 48, Agosto/99
controle social (corpo dócil). O déficit de dignidade do corpo vinha de seu
caráter secundário perante a força emancipatória do espírito ou da razão.
Mas esse mesmo corpo, assim produzido historicamente, repunha a necessidade
da produção de um discurso que o secundarizava, exatamente
porque causava um certo mal-estar à cultura dominante. Ele precisa,
assim, ser alvo de educação, mesmo porque educação corporal é educação
do comportamento que, por sua vez, não é corporal, e sim humano.
Educar o comportamento corporal é educar o comportamento humano.
Mas vejamos na trajetória das diferentes construções históricas da
educação física (EF) como esse entendimento de corpo e de educação
corporal se concretizou. Antes é imprescindível fazer uma observação
quanto a um equívoco que grassa no âmbito da educação física. Tratase
do entendimento de que a educação corporal ou o movimento corporal
é atribuição exclusiva da educação física. Sem dúvida, à educação física
é atribuída uma tarefa que envolve as atividades de movimento que
só pode ser corporal, uma vez que humano. No entanto, a educação do
comportamento corporal, porque humano, acontece também em outras
instâncias e em outras disciplinas escolares.
Contudo, neste texto vou me concentrar na contribuição da disciplina
educação física (EF) para a “educação corporal” que acontece na escola,
portanto, na construção das teorias pedagógicas da EF. Mas é importante
observar que na instituição escolar o termo disciplina envolve um duplo
aspecto: por um lado, a dimensão das relações hierárquicas, observância
de preceitos, normas, da conduta do corpo; por outro, os aspectos do conhecimento
propriamente dito. Portanto, a escola promove a “educação
corporal”. Nos dizeres de Faria Filho (1997, p. 52): “Assim como a escola
‘escolarizou’ conhecimentos e práticas sociais, buscou também apropriarse
de diversas formas do corpo e constituir uma corporeidade que lhe fosse
mais adequada”. Esse aspecto reveste-se de importância, uma vez que o
tratamento do corpo na EF sofre influências externas da cultura de maneira
geral, mas também internas, ou seja, da própria instituição escolar.
Da origem médica e militar à esportivização
A constituição da educação física, ou seja, a instalação dessa prática
pedagógica na instituição escolar emergente dos séculos XVIII e XIX, foi
fortemente influenciada pela instituição militar e pela medicina. A instituição
Cadernos Cedes, ano XIX, nº 48, Agosto/99 73
militar tinha a prática — exercícios sistematizados que foram ressignificados
(no plano civil) pelo conhecimento médico. Isso vai ser feito numa perspectiva
terapêutica, mas principalmente pedagógica. Educar o corpo para a
produção significa promover saúde e educação para a saúde (hábitos saudáveis,
higiênicos). Essa saúde ou virilidade (força) também pode ser (e foi)
ressignificada numa perspectiva nacionalista/patriótica. Há exemplos
marcantes na história desse tipo de instrumentalização de formas culturais
do movimentar-se, como, por exemplo, a ginástica: Jahn e Hitler na Alemanha,
Mussolini na Itália e Getúlio Vargas e seu Estado Novo no Brasil. Esses
movimentos são signatários do entendimento de que a educação da
vontade e do caráter pode ser conseguida de forma mais eficiente com
base em uma ação sobre o corpóreo do que com base no intelecto; lá, onde
o controle do comportamento pela consciência falha, é preciso intervir no
e pelo corpóreo (o exemplo mais recente é o movimento carismático da Igreja
Católica no Brasil – a aeróbica do Senhor). Normas e valores são literalmente
“incorporados” pela sua vivência corporal concreta. A obediência
aos superiores precisa ser vivenciada corporalmente para ser conseguida;
é algo mais do plano do sensível do que do intelectual.
O corpo é alvo de estudos nos séculos XVIII e XIX, fundamentalmente
das ciências biológicas. O corpo aqui é igualado a uma estrutura
mecânica – a visão mecanicista do mundo é aplicada ao corpo e a seu
funcionamento. O corpo não pensa, é pensado, o que é igual a analisado
(literalmente, “lise”) pela racionalidade científica. Ciência é controle
da natureza e, portanto, da nossa natureza corporal. A ciência fornece os
elementos que permitirão um controle eficiente sobre o corpo e um aumento
de sua eficiência mecânica.2 Melhorar o funcionamento dessa
máquina depende do conhecimento que se tem de seu funcionamento
e das técnicas corporais que construo com base nesse conhecimento.
Assim, o nascimento da EF se deu, por um lado, para cumprir a
função de colaborar na construção de corpos saudáveis e dóceis, ou
melhor, com uma educação estética (da sensibilidade) que permitisse
uma adequada adaptação ao processo produtivo ou a uma perspectiva
política nacionalista, e, por outro, foi também legitimado pelo conhecimento
médico-científico do corpo que referendava as possibilidades, a
necessidade e as vantagens de tal intervenção sobre o corpo. Como
lembra Le Breton (1995), a medicina representa, em nossas sociedades,
um saber em alguma medida oficial sobre o corpo.
Mas novamente esse entendimento vai se alterar e mais uma vez
em consonância com alterações de ordem mais geral, ou seja, da forma
74 Cadernos Cedes, ano XIX, nº 48, Agosto/99
como se produz e reproduz a vida, portanto, de mudanças históricas.
Foucault (1985) identifica uma mudança importante da ação do poder ou
do envolvimento do corpo pelos/nos micropoderes. Paulatinamente no
século XX saímos de um controle do corpo via racionalização, repressão,
com enfoque biológico, para um controle via estimulação, enaltecimento
do prazer corporal, com enfoque psicológico. Muitos estudos citam a década
de 1960 (Courtine 1996; Le Breton 1995) como o momento mais
importante dessa inflexão. Voltaremos a isso mais adiante.
Outro fenômeno muito importante para a política do corpo foi
gestado e adquiriu grande significação social nesse período histórico
(séculos XIX e XX). Essa prática corporal, a esportiva, está desde cedo
muito fortemente orientada pelos princípios da concorrência e do rendimento
(Rigauer 1969). Este último aspecto ou esta última característica
é comum a outra técnica corporal incentivada pelos filantropos e pela
medicina na Europa continental que é a ginástica. Aumento do rendimento
atlético-esportivo, com o registro de recordes, é alcançado com uma
intervenção científico-racional sobre o corpo que envolve tanto aspectos
imediatamente biológicos, como aumento da resistência, da força etc.,
quanto comportamentais, como hábitos regrados de vida, respeito às regras
e normas das competições etc. Treinamento esportivo e ginástica
promovem a aptidão física e suas conseqüências: a saúde e a capacidade
de trabalho/rendimento individual e social, objetivos da política do
corpo. A ginástica é parte importante do movimento médico-social do
higienismo, como mostrou Soares (1997).
Interessante observar que Foucault (1985, p. 151), quando perguntado
sobre quem coordena a ação dos agentes da política do corpo, afirma
que é “um conjunto extremamente complexo (...). Tomemos o exemplo
da filantropia no início do século XIX: pessoas que vêm se ocupar da
vida dos outros, de sua saúde, da alimentação, da moradia... Mais tarde,
dessa função confusa saíram personagens, instituições, saberes... uma
higiene pública, inspetores, assistentes sociais, psicólogos. E hoje assistimos
a uma proliferação de categorias de trabalhadores sociais”. Entre
estes, seguramente podemos situar os professores de EF.
Interessante observar que a adesão ao esporte na Inglaterra puritana,
segundo Grieswelle (1978), deveu-se também ao fato de este ter
incorporado o princípio do rendimento que o aproximou da ética do trabalho,
propiciando inclusive a construção do conceito de “Cristandade
Muscular”. Courtine (1995) mostra de forma brilhante como o puritanisCadernos
Cedes, ano XIX, nº 48, Agosto/99 75
mo absorve esse tipo de prática corporal nos Estados Unidos, conferindo-
lhe um significado coerente com a doutrina religiosa e com os valores
culturais dominantes.
A emergência do esporte após a Guerra Civil ocorreu sobre o pano
de fundo de um individualismo disciplinado, exigindo auto-sacrifício
e devotamento a uma causa comum. A ética puritana do trabalho
tinha se infiltrado profundamente nas práticas esportivas,
como se a utilidade social destas práticas devesse ser julgada
apenas de acordo com seu critério. Entretanto, no final do século
XIX, esta lógica de organização racional e de ordem moral já estava
em declínio. Durante as primeiras décadas deste século, ela
foi sendo progressivamente substituída por uma concepção um
tanto diferente das finalidades da cultura física. O espírito de competição,
o desejo de vencer tinham, mais ainda que no passado,
sido investidos pelo esporte, ao mesmo tempo em que invadiam
o sentimento de que se podia legitimamente buscar no exercício
muscular uma gratificação pessoal e um prazer do corpo. Um cuidado
com o bem-estar individual aparece nas críticas da ética puritana
formuladas desde então. Reprova-se essa ética por investir
a totalidade da energia do indivíduo americano em fins puramente
utilitaristas, por exprimir e mesmo reforçar um medo do prazer.
(Courtine 1995, p. 99)
É claro que o esporte, assim como a ginástica, é um fenômeno
polissêmico, ou seja, apresenta vários sentidos/significados e ligações
sociais. Por exemplo, o movimento olímpico permitiu conferir, pela categoria
política da nação, um significado mais imediatamente político aos
resultados esportivos, o qual é incorporado à política do corpo mais geral,
com as repercussões que todos conhecemos na educação física.
Chamo aqui a atenção para a combinação de dois fatores, e para o fato
de que o esporte passa a substituir, com vantagens, a ginástica como
técnica corporal que corporifica/condensa os princípios que precisam ser
incorporados (no duplo sentido) pelos indivíduos.
A pedagogia da EF incorporou, sem necessidade de mudar seus
princípios mais fundamentais, essa “nova” técnica corporal, o esporte,
agregando agora, em virtude das intersecções sociais (principalmente
políticas) desse fenômeno, novos sentidos/significados, como, por exemplo,
preparar as novas gerações para representar o país no campo es76
Cadernos Cedes, ano XIX, nº 48, Agosto/99
portivo (internacional). Tal combinação de objetivos fica muito clara no
conhecido Diagnóstico da Educação Física/Desportos , realizado pelo
governo brasileiro e publicado em 1971 (Costa 1971).
Como os princípios eram os mesmos e o núcleo central era a intervenção
no corpo (máquina) com vistas ao seu melhor funcionamento
orgânico (para o desempenho atlético-esportivo ou desempenho produtivo),
o conhecimento básico/privilegiado que é incorporado pela EF para
a realização de sua tarefa continua sendo o que provém das ciências
naturais, mormente a biologia e suas mais diversas especialidades, auxiliadas
pela medicina, como uma de suas aplicações práticas.
Os anos 80 e a crítica ao “paradigma da aptidão física e esportiva”
O paradigma que orientou a prática pedagógica em EF descrito no
item anterior esteve presente desde a origem e durante a implementação
no Brasil, e foi revitalizado pelo projeto de nação da ditadura militar que
aqui se instalou a partir de 1964. Pelo Diagnóstico da EF/Desportos, anteriormente
citado, e pelos documentos da política de desenvolvimento
dos esportes e da educação, aliás, extremamente abundantes nesse período,
fica claro que a EF (no sentido lato) possuía um papel importante
no projeto de Brasil dos militares, e que tal importância estava ligada ao
desenvolvimento da aptidão física e ao desenvolvimento do desporto: a
primeira, porque era considerada importante para a capacidade produtiva
da nação (da classe trabalhadora) – ver a esse respeito Gonçalves
(1971) –, e o segundo, pela contribuição que traria para afirmar o país
no concerto das nações desenvolvidas (Brasil potência) e pela sua contribuição
para a primeira, ou seja, para a aptidão física da população. É
claro que no percurso da hegemonia desse paradigma ele foi contestado,
alternativas foram propostas; no entanto, nada que pudesse abalar
seriamente seus princípios. No seio da própria instituição militar, que teve
forte influência na trajetória da EF brasileira, muitos de seus intelectuais
foram influenciados nas décadas de 1920 a 1950 pelo movimento
escolanovista e pensaram a educação e a educação física com base nos
princípios dessa teoria pedagógica.3
Neste ponto aproveito para abordar um outro equívoco recorrente
na área da EF. O de que o predomínio do conhecimento das ciências
naturais, principalmente da biologia e seus derivados, como conheciCadernos
Cedes, ano XIX, nº 48, Agosto/99 77
mento fundamentador da EF, significava a ausência da reflexão pedagógica.
Ao contrário, como procurei demonstrar em estudo anterior (Bracht
1996), até o advento das ciências do esporte nos anos 70, o teorizar no
âmbito da EF era sobretudo de caráter pedagógico, isto é, voltado para
a intervenção educativa sobre o corpo; é claro, sustentado fundamentalmente
pela biologia. Falava-se na educação integral (o famoso caráter
biopsicossocial), mas como a educação integral não legitima especificamente
a EF na escola (ou na sociedade) e sim o seu específico, este era
entendido na perspectiva de sua contribuição para o desenvolvimento da
aptidão física e esportiva.
A entrada mais decisiva das ciências sociais e humanas na área
da EF, processo que tem vários determinantes, permitiu ou fez surgir uma
análise crítica do paradigma da aptidão física. Mas esse viés encontrase
num movimento mais amplo que tem sido chamado de movimento renovador
da EF brasileira na década de 1980.
Um primeiro momento dessa crítica tinha um viés cientificista.
Por esse viés, entendia-se que faltava à EF ciência. Era preciso orientar
a prática pedagógica com base no conhecimento científico, este,
por sua vez, entendido como aquele produzido pelas ciências naturais
ou com base em seu modelo de cientificidade. O desconhecimento da
história da EF fez com que não se percebesse que esse movimento
apenas atualizava o percurso e a origem histórica da EF e, portanto,
que ele não rompia com o próprio paradigma da aptidão física. Nesse
período vamos assistir à entrada em cena também de outra perspectiva
que é aquela que se baseia nos estudos do desenvolvimento
humano (desenvolvimento motor e aprendizagem motora). O segundo
momento vai permitir, então, uma crítica mais radical à EF, como veremos
a seguir.
A partir da década de 1970, no mundo e no Brasil, passa a constituir-
se mais claramente um campo acadêmico na/da EF, campo este
que se estrutura a partir das universidades (entre outros, ver Sobral
1996, pp. 243-252, e Bracht 1996), em grande medida em virtude da importância
da instituição esportiva, já em simbiose com a EF. O discurso
(neo)cientificista da EF visava também à legitimação desta no âmbito
universitário.
A educação física, como participante do sistema universitário
brasileiro, acaba por incorporar as práticas científicas típicas desse
meio. Uma das conseqüências será a busca de qualificação do corpo
78 Cadernos Cedes, ano XIX, nº 48, Agosto/99
docente dos cursos de graduação em programas de pós-graduação,
inicialmente no exterior, mas também, e crescentemente, no Brasil. Um
grupo desses docentes optou por buscar os cursos de pós-graduação
em educação no Brasil. Principalmente com base nessa influência, o
campo da EF passa a incorporar as discussões pedagógicas nas décadas
de 1970 e 1980, muito influenciadas pelas ciências humanas,
principalmente a sociologia e a filosofia da educação de orientação
marxista.
O eixo central da crítica que se fez ao paradigma da aptidão física
e esportiva foi dado pela análise da função social da educação, e da
EF em particular, como elementos constituintes de uma sociedade capitalista
marcada pela dominação e pelas diferenças (injustas) de classe.
Toda a discussão realizada no campo da pedagogia sobre o caráter
reprodutor da escola e sobre as possibilidades de sua contribuição
para uma transformação radical da sociedade capitalista foi absorvida
pela EF. A década de 1980 foi for temente marcada por essa
influência, constituindo-se aos poucos uma corrente que inicialmente
foi chamada de revolucionária, mas que também foi denominada de
crítica e progressista. Se, num primeiro momento – digamos, o da denúncia
–, o movimento progressista apresentava-se bastante homogêneo,
hoje, depois de mais de 15 anos de debate, é possível identificar
um conjunto de propostas nesse espectro que apresentam diferenças
importantes.
O quadro das propostas pedagógicas em EF apresenta-se hoje
bastante mais diversificado. Embora a prática pedagógica ainda resista
a mudanças,4 ou seja, a prática acontece ainda balizada pelo
paradigma da aptidão física e esportiva, várias propostas pedagógicas
foram gestadas nas últimas duas décadas e se colocam hoje como alternativas.
A seguir apresentamos de forma resumida algumas delas.5
Uma dessas propostas é a chamada abordagem desenvolvimentista.
A sua idéia central é oferecer à criança – a proposta limita-se
a oferecer fundamentos para a EF das primeiras quatro séries do primeiro
grau – oportunidades de experiências de movimento de modo a garantir
o seu desenvolvimento normal, portanto, de modo a atender essa
criança em suas necessidades de movimento. Sua base teórica é essencialmente
a psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem, e seus
autores principais são os professores Go Tani e Edison de Jesus Manoel,
da USP, e Ruy Jornada Krebs, da UFSM.
Cadernos Cedes, ano XIX, nº 48, Agosto/99 79
Observe-se que próxima a essa abordagem podemos colocar a
chamada psicomotricidade, ou educação psicomotora, que exerceu
grande influência na EF brasileira nos anos 70 e 80. Influência esta
que está longe de ter-se esgotado, conforme podemos perceber pela
reportagem recente da revista Nova Escola, intitulada “A educação física
dá uma mãozinha”, na qual se demonstra como a EF pode auxiliar
no ensino de matemática (Falzetta 1999). Essa proposta vem sendo
criticada exatamente porque não confere à EF uma especificidade, ficando
seu papel subordinado a outras disciplinas escolares. Nessa
perspectiva o movimento é mero instrumento, não sendo as formas
culturais do movimentar-se humano consideradas um saber a ser
transmitido pela escola.
A proposta do professor João Batista Freire (Unicamp), embora
preocupada com a cultura especificamente infantil, porque fundamentada
também basicamente na psicologia do desenvolvimento, pode igualmente
ser colocada como próxima às duas anteriores.
Talvez devêssemos também fazer menção a um movimento de atualização
ou renovação do paradigma da aptidão física, levado a efeito
com base no mote da promoção da saúde. Considerando os avanços do
conhecimento biológico acerca das repercussões da atividade física sobre
a saúde dos indivíduos e as novas condições urbanas de vida que
levam ao sedentarismo, essa proposta revitaliza a idéia de que a principal
tarefa da EF é a educação para a saúde ou, em termos mais genéricos,
a promoção da saúde.
As propostas abordadas até aqui têm em comum o fato de não se
vincularem a uma teoria crítica da educação, no sentido de fazer da crítica
do papel da educação na sociedade capitalista uma categoria central.
Esse é o caso de duas outras propostas que vão mais explícita e diretamente
derivar-se das discussões da pedagogia crítica brasileira.
Uma delas está consubstanciada no livro Metodologia do ensino
da educação física, de um coletivo de autores, publicado em 1992.
Essa proposta baseia-se fundamentalmente na pedagogia históricocrítica
desenvolvida por Dermeval Saviani e colaboradores, e autointitulou-
se crítico-superadora. Entende essa proposta que o objeto da
área de conhecimento EF é a cultura corporal que se concretiza nos
seus diferentes temas, quais sejam, o esporte, a ginástica, o jogo, as
lutas, a dança e a mímica. Sistematizando o conhecimento da EF em
ciclos (1º - da organização da identidade dos dados da realidade; 2º
80 Cadernos Cedes, ano XIX, nº 48, Agosto/99
- da iniciação à sistematização do conhecimento; 3º - da ampliação da
sistematização do conhecimento; 4º - do aprofundamento da sistematização
do conhecimento), propõe que este seja tratado de forma
historicizada, de maneira a ser apreendido em seus movimentos contraditórios.
Outra proposta nesse espectro é a que se denomina críticoemancipatória
e que tem como principal formulador o professor Elenor
Kunz, da UFSC, hoje acompanhado na tarefa por um conjunto de colegas
que compõem o Núcleo de Estudos Pedagógicos do Centro de
Desportos daquela universidade. As primeiras elaborações do professor
Kunz foram fortemente influenciadas pela pedagogia de Paulo
Freire (Kunz 1991). Outra forte influência são as análises fenomenológicas
do movimento humano com base, em parte, em Merleau-
Ponty, tomadas de estudiosos holandeses como Gordjin, Tamboer, e também
Trebels, este seu orientador no doutorado em Hannover (Alemanha).
A proposta de Kunz parte de uma concepção de movimento que
ele denomina de dialógica. O movimentar-se humano é entendido aí
como uma forma de comunicação com o mundo. Outro princípio importante
em sua pedagogia é a noção de sujeito tomado numa perspectiva
iluminista de sujeito capaz de crítica e de atuação autônomas, perspectiva
esta influenciada pelos estudiosos da Escola de Frankfurt. A
proposta aponta para a tematização dos elementos da cultura do movimento,
de forma a desenvolver nos alunos a capacidade de analisar
e agir criticamente nessa esfera.
É imperioso fazer menção também à proposta da concepção de
aulas abertas à experiência, tornada conhecida no Brasil pelo professor
alemão Reiner Hildebrandt, que foi professor visitante da UFSM.
Essa proposta está consubstanciada principalmente em dois livros: um
de autoria do professor Hildebrandt em conjunto com seu colega alemão
R. Laging (Hildebrandt e Laging 1986); o outro, resultado da divulgação
e do trabalho do professor Hildebrandt no Brasil, o qual foi
publicado por dois grupos de estudo, o da UFPE e o da UFSM (Visão
Didática 1991).Trabalhando com a perspectiva de que a aula de EF
pode ser analisada em termos de um continuum que vai de uma concepção
fechada a uma concepção aberta de ensino, e considerando
que a concepção fechada inibe a formação de um sujeito autônomo
e crítico, essa proposta indica a abertura das aulas no sentido de se
conseguir a co-participação dos alunos nas decisões didáticas que
configuram as aulas.
Cadernos Cedes, ano XIX, nº 48, Agosto/99 81
Após esta breve (e insuficiente) descrição das diferentes propostas
(não todas) que se colocam como alternativas ao paradigma dominante,
gostaria de ressaltar alguns pontos.
Para as teorias progressistas da EF citadas (pedagogia críticosuperadora
e crítico-emancipatória), as formas culturais dominantes
do movimentar-se humano reproduzem os valores e princípios da sociedade
capitalista industrial moderna, sendo o esporte de rendimento
paradigmático nesse caso. Reproduzi-los na escola por meio da educação
física significa colaborar com a reprodução social como um
todo. A linguagem corporal dominante é “ventríloqua” dos interesses
dominantes. Assim, ambas as propostas sugerem procedimentos didático-
pedagógicos que possibilitem, ao se tematizarem as formas culturais
do movimentar-se humano (os temas da cultura corporal ou de
movimento), propiciar um esclarecimento crítico a seu respeito, desvelando
suas vinculações com os elementos da ordem vigente, desenvolvendo,
concomitantemente, as competências para tal: a lógica
dialética para a crítico-superadora, e o agir comunicativo para a crítico-
emancipatória. Assim, conscientes ou dotados de consciência crítica,
os sujeitos poderão agir autônoma e criticamente na esfera da
cultura corporal ou de movimento e também agir de forma transformadora
como cidadãos políticos.
Vale ressaltar que as propostas buscam ser um “antídoto” para
um conjunto de características da cultura corporal ou de movimento atuais
que, segundo a interpretação dessas abordagens, por um lado, são
produtoras de falsa consciência e, por outro, transformam os sujeitos em
objetos ou consumidores acríticos da indústria cultural.
Para realizar tal tarefa é fundamental entender o objeto da EF, o
movimentar-se humano, não mais como algo biológico, mecânico ou
mesmo apenas na sua dimensão psicológica, e sim como fenômeno histórico-
cultural. Portanto, essa leitura ou esse entendimento da educação
física só criará corpo quando as ciências sociais e humanas forem tomadas
mais intensamente como referência. No entanto, é preciso ter claro
que a própria utilização de um novo referencial para entender o movimento
humano está na dependência da mudança do imaginário social
sobre o corpo e as atividades corporais.
Entendo que essa visão do objeto da EF está alcançando uma
quase unanimidade na discussão pedagógica desse campo. Os termos
cultura corporal, cultura de movimento ou cultura corporal de movimen82
Cadernos Cedes, ano XIX, nº 48, Agosto/99
to aparecem em quase todos os discursos, embora lhes sejam atribuídas
conseqüências pedagógicas distintas.
Desafios das propostas
pedagógicas progressistas da educação física
As propostas pedagógicas progressistas em EF deparam com desafios
de várias ordens: desde questões relativas à sua implementação,
ou seja, de como fazer com que sejam incorporadas pela prática pedagógica
nas escolas, até questões mais teóricas que dizem respeito, por
exemplo, às suas bases epistemológicas.
Um desses desafios é conquistar legitimidade no campo pedagógico.
Os argumentos que legitimavam a EF na escola sob o prisma conservador
(aptidão física e esportiva) não se sustentam numa perspectiva
progressista de educação e educação física, mas, ao que tudo indica,
hoje também não na perspectiva conservadora. Parece que a visão
neotecnicista (economicista) de educação, que enfatiza a preparação do
cidadão para o mercado de trabalho, dadas as mudanças tecnológicas
do processo produtivo, pode prescindir hoje da EF e não lhe reserva nenhum
papel relevante o suficiente para justificar o investimento público
– a revitalização do discurso da promoção da saúde é uma tentativa de
setores conservadores de legitimar a EF na escola, mas tem pouca probabilidade
de encontrar eco, haja vista a crescente privatização, e
individualização, da saúde promovida pelo Estado mínimo neoliberal.
Além disso, o crescimento da oferta e do consumo dos serviços ligados
às práticas corporais fora do âmbito da escola e do sistema tradicional
do esporte – como as escolas de natação, academias, escolinhas de futebol,
judô, voleibol etc. – permite o acesso à iniciação esportiva, às atividades
físicas, sem depender da EF escolar.
Parece-nos mais fácil, paradoxalmente, encontrar argumentos para
legitimar a EF (e a educação artística), hoje, na escola, de uma perspectiva
crítica de educação. Os argumentos vão na mesma direção do exposto
quando apresentamos as propostas progressistas do âmbito da EF. A
dimensão que a cultura corporal ou de movimento assume na vida do cidadão
atualmente é tão significativa que a escola é chamada não a reproduzi-
la simplesmente, mas a permitir que o indivíduo se aproprie dela
criticamente, para poder efetivamente exercer sua cidadania. Introduzir
Cadernos Cedes, ano XIX, nº 48, Agosto/99 83
os indivíduos no universo da cultura corporal ou de movimento de forma
crítica é tarefa da escola e especificamente da EF.
Outro ponto que se coloca como um desafio é fazer uma leitura adequada
da “política do corpo” (Foucault) ou então de como o “corpo” aparece
na atual dinâmica cultural, no sentido mais amplo, com suas intersecções
sociais, principalmente na sua função de afirmar, confirmar e reconstruir (porque
constantemente contestada) a hegemonia de um projeto histórico, bem
como situar o papel da instituição educacional nesse processo.
Embora nossa atenção, como profissionais ligados à EF, esteja
mais voltada para a cultura corporal ou de movimento num sentido restrito,
para compreender as mudanças que se operam nesse âmbito é preciso
analisar também o percurso da “história do corpo”.
Podemos constatar, principalmente nas três últimas décadas (a
partir dos anos 60), um verdadeiro boom do corpo. Essa (re)descoberta
do corpo se dá em várias instâncias e perspectivas e suas razões só
podem ser aqui discutidas de forma muito precária. Tal (re)descoberta
está presente também no meio acadêmico, onde o corpo passa a ser
objeto privilegiado da história, da filosofia, da antropologia, da psicologia
da aprendizagem etc.
As razões pelas quais o “corpo” – e, por conseqüência, as práticas
corporais – passa a ser objeto digno das diversas disciplinas científicas,
objeto de atenção da teoria política às teorias da aprendizagem,
são, seguramente, múltiplas e complexas. O que é possível afirmar é que
estas estão vinculadas ao novo status social que a cultura ocidental vai
conferir ao corpo, principalmente a partir da década de 1960.
Sem adotar uma perspectiva internalista nem externalista da história
da ciência, é possível dizer que desenvolvimentos internos (conhecimentos
do âmbito das ciências cognitivas, da neurofisiologia, da biologia,
da filosofia etc.) e externos à ciência (crítica ao caráter repressivo
das instituições, a possibilidade da vivência do sexo pelo prazer graças
aos avanços da anticoncepção, possibilidades de mercadorização do
corpo, o advento da indústria do lazer etc.) levaram a conferir ao corpo
ou à dimensão corpórea do homem um significado ou uma importância
maior nas teorias explicativas de algumas ciências e a reconhecê-lo
como problema ou objeto. Algumas delas possuem importância central
para a educação. Refiro-me às teorias da sociologia, da história e da antropologia
que enfatizam a importância da ação sobre o corpo como elemento
da ordem social, à filosofia, campo em que, depois da crise da ra84
Cadernos Cedes, ano XIX, nº 48, Agosto/99
zão iluminista (paradigma da consciência), percebe-se a retomada do
tema da dimensão não-racional do comportamento humano ou da sua
dimensão estética; nas teorias da aprendizagem, o corpo passa a ser reconhecido
como sujeito epistêmico, pois, como coloca Assmann (1996),
“todo conhecimento é um texto corporal, tem uma textura corporal”. Enfim,
como assevera Eagleton (1998), citado por Alves de Lima (1999), “a
retomada da importância do corpo foi uma das mudanças mais importantes
no pensamento radical presente”.
Mas centrando nossa atenção novamente sobre a dinâmica cultural
e sobre como a corporeidade nela se apresenta, seria importante
perguntar se está se gestando uma nova visão de corpo (um novo significado
humano de corpo), uma visão de corpo que efetivamente supere
a visão moderna apresentada aqui e que foi (é?) a base da EF
moderna. Em que medida as práticas corporais da atual dinâmica cultural
ainda são tributárias fiéis daquela visão moderna de corpo? (corpo-
máquina, corpo-ter).
Se estamos num momento de transição na cultura ocidental –
caminhando para uma cultura pós-moderna –, estamos num campo
bastante complexo, indefinido, que não admite simplificações – e que
por isso mesmo se coloca como desafio.
Se adotarmos uma postura mais próxima da perspectiva pósmoderna,
como, por exemplo, a de Lipovetsky (1989), tenderemos a
responder afirmativamente à primeira questão acima. Viver o corpo
com base nos valores do presentismo e do narcisismo, sem culpa, e
a pulverização radical dos sentidos/significados dessa vivência seriam
indicadores do rompimento com valores próprios da modernidade.
Já para Le Breton, hoje realmente há outra visão no discurso
que se faz acerca do corpo,
há outra visão, outra atenção, normas sociais modificadas. Neste
entusiasmo, se mudou o imaginário do corpo, porém sem que
se alterasse o paradigma dualista. Pois não poderia existir uma
liberação do corpo e sim uma liberação do homem mesmo, isto
é, que significasse para o sujeito uma maior plenitude. E isto
através de um uso diferente das atividades físicas ou de uma
nova aparência. Separar o corpo do sujeito para afirmar a liberação
do primeiro é uma figura de estilo de um imaginário
dualista. (1995, p. 138)
Cadernos Cedes, ano XIX, nº 48, Agosto/99 85
Para o autor, “a paixão pelo corpo modifica o conteúdo do dualismo
sem mudar sua forma. Tende a psicologizar o ‘corpo-máquina’,
mas esse paradigma mantém sua influência de forma mais ou menos
oculta” (p. 160).
O dualismo de que fala Le Breton é o entre homem e corpo (e
não mente-corpo), que tem por base o dualismo homem-natureza. A
mercadorização do corpo (técnicas corporais, produtos para o corpo
etc.) necessita manter a diferenciação homem-corpo, precisa manter
a oposição entre o “que corresponde ao corpo e o que corresponde
ao inapreensível do homem” (Le Breton 1995, p. 152).
Courtine (1995, p. 105), analisando o caso dos Estados Unidos,
também entende que o momento narcísico do corpo corresponde não
a um laisser-aller hedonista, mas a um reforço disciplinar, a uma intensificação
dos controles. Ele não corresponde a uma dispersão da
herança puritana, mas antes a uma repuritanização dos comportamentos,
cujos signos, de modo mais ou menos explícito, multiplicamse
hoje.
O desafio se amplia na medida em que essas mudanças ou permanências
estão articuladas com as estruturas e os movimentos sóciohistóricos
mais amplos que são o alvo, em última instância, das pedagogias
progressistas. Essas pedagogias se nutrem de um projeto alternativo
de sociedade que precisa se afirmar diante do hoje hegemônico.
Daí a importância de uma leitura adequada da realidade que possa se
articular com um projeto alternativo realizável.
Outro desafio situa-se no plano mais especificamente epistemológico.
É sabido que um movimento, muito influente no momento,
questiona fortemente a pretensão de verdade da ciência (ou da razão
científica), e com isso acaba atingindo o núcleo central da pedagogia
crítica que é exatamente sua pretensão de superar, por meio de
uma leitura crítica da realidade (do esclarecimento), a ideologia, superar
uma visão superficial, distorcida ou falsa da realidade. Não será
possível aqui aprofundar a questão. Mas talvez valha a pena reproduzir
ainda um comentário de Tomaz T. da Silva (1993, p. 137), um
dos mais importantes teóricos da tradição crítica na educação: “esses
questionamentos colocam em questão a própria utilização do termo
‘crítico’ ou pelo menos nos obriga a repensá-lo. Não creio [diz ele]
que haja presentemente alguma resposta fácil a esse importante desafio”.
86 Cadernos Cedes, ano XIX, nº 48, Agosto/99
É claro que os pontos citados não esgotam a agenda das teorias
pedagógicas críticas da educação física, embora já constituam uma pauta
bastante volumosa.
Notas
1. Reitemeyer (1987), em seu livro Philosophie der Leiblichkeit (Filosofia da
corporeidade), recupera o materialismo radical de L. Feuerbach, mostrando
como a dimensão corpórea (a sensibilidade) encontrava na sua visão de mundo
uma posição de destaque: “Razão não sensível, não radicada na sensibilidade
é (...) irreal, não mais verdadeira, porque não mais orientada para a totalidade
e sim para uma metade abstraída da sensibilidade; assim ela não preenche
mais os quesitos da razão” (p. 43).
2. O esporte de alto rendimento é de certa forma uma metáfora dessa máxima.
3. Indicações precisas desse processo encontram-se no texto de A. Ferreira
Neto, “Pedagogia no exército e na escola: A educação física brasileira (1880-
1950)”. Tese de doutorado apresentada para qualificação. Programa de pósgraduação
em Educação/Unimep (mimeo.).
4. As razões são muitas e diversas. Vão desde a pressão do contexto cultural e
do imaginário social da EF, que persiste e é reforçado pelos meios de comunicação
de massa, até o fato de que a formação dos atuais professores de
EF ocorreu em cursos de graduação cujo currículo ainda fora inspirado no
referido paradigma, passando pelo fato de que as pedagogias progressistas
em EF ainda estão em estágio inicial de desenvolvimento.
5. Para uma apresentação mais detalhada, classificando as abordagens em propositivas
e não-propositivas, consultar Castellani Filho (1999). Para uma análise crítica
das propostas pedagógicas da educação física brasileira construídas na década
de 1980, remeto o leitor aos estudos de Caparroz (1997) e Ferreira (1995).
Pedagogical theories cosntitution of phisical education
ABSTRACT: The present rehearsal analyzes the process of
construction of the pedagogic theories of the Physical Education in
Brazil, seeking demonstrate how these theories reflect the conception
and the meaning body human engendered in modern society. The text
presents the pedagogic theories that, in the field of the Physical
Education, are placed in a critical perspective in relation to the uses and
meanings attributed by the capitalist society to the corporal practices.
And, finally, through this discussion, there’s a possibility of breaking
the modern vision of body, contemplating on the challenges that this
transition places for Education and Physical Education.
Cadernos Cedes, ano XIX, nº 48, Agosto/99 87


Bibliografia Consultada

ALVES DE LIMA, H.L. “Pensamento epistemológico da educação física
brasileira: Das controvérsias acerca do estatuto científico”. Dissertação
de mestrado. Centro de Educação/UFPe, 1999. (Mimeo.)
ASSMANN, H. “Pós-modernidade e agir pedagógico: Como reencantar a
educação”. Palestra no VIII Endipe. Florianópolis, 1996. (Mimeo.)
BRACHT, V. “A construção do campo acadêmico ‘educação física’ no período
de 1960 até nossos dias: Onde ficou a educação física?”. In:
Anais do IV Encontro Nacional de História do Esporte, Lazer e
Educação Física. Belo Horizonte, 1996, pp. 140-148.
_______. “Educação física: Conhecimento e especificidade”. In: SOUSA, E.S.
de e VAGO, T.M. (orgs.). Trilhas e partilhas: Educação física na cultura
escolar e nas práticas sociais. Belo Horizonte: Cultura, 1997, pp. 13-23.
CAPARROZ, F.E. Entre a educação física na escola e a educação física
da escola. Vitória: CEFD/Ufes, 1997.
CASTELLANI FILHO, L. “A educação física no sistema educacional brasileiro:
Percurso, paradoxos e perspectivas”. Tese de doutorado.
Campinas: Faculdade de Educação/Unicamp, 1999.
COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino da educação física.
São Paulo: Cortez, 1992.
COSTA, L.P. da. Diagnóstico de educação física/desportos no Brasil. Rio
de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura: Fundação Nacional
de Material Escolar, 1971.
COURTINE, J.-J. “Os stakhanovistas do narcisismo”. In: SANT’ANNA, D.B.
de (org.). Políticas do corpo. São Paulo: Estação Liberdade, 1995,
pp. 81-114.
FALZETTA, R. “A educação física dá uma mãozinha”. Revista Nova Escola,
mar. 1999.
FARIA FILHO, L.M. de. “História da escola primária e da educação física
no Brasil: Alguns apontamentos”. In: SOUSA, E.S. de e VAGO, T.M.
(orgs.). Trilhas e partilhas; educação física na cultura escolar e nas
práticas sociais. Belo Horizonte: Cultura, 1997, pp. 43-58.
FERREIRA, M.G. “Teoria da educação física: Bases epistemológicas e
propostas pedagógicas”. In: FERREIRA NETO, A.; GOELLNER, S.V.
88 Cadernos Cedes, ano XIX, nº 48, Agosto/99
e BRACHT, V. (orgs.). As ciências do esporte no Brasil. Campinas:
Autores Associados, 1995.
FOUCAULT, M. Microfísica do poder. 5a ed. Rio de Janeiro: Graal, 1995.
GIL, J. Monstros. Lisboa: Quetzal, 1994.
GONÇALVES, J.A.P. Subsídios para implantação de uma política nacional
de desportos. Brasília, 1971.
GRIESWELLE, D. Sportosoziologie. Stuttgart: Kohlhammer, 1978.
GRUPO DE TRABALHO PEDAGÓGICO (UFPE/UFSM). Visão didática da
educação física. Rio de Janeiro: Ao livro técnico, 1991.
HILDEBRANDT, R. e LAGING, R. Concepções abertas no ensino da educação
física. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1986.
KUNZ, E. Educação física: Ensino & mudanças. Ijuí: Unijuí, 1991.
LE BRETON, D. Antropologia del cuerpo y modernidad. Buenos Aires:
Nueva Visión, 1995.
LIPOVETSKY, G. A era do vazio. Lisboa: Antropos, 1989.
REITEMEYER, U. Philosophie der Leiblichkeit. Frankfurt: Suhrkamp, 1988.
RIGAUER, B. Sport und Arbeit. Frankfurt: Shuskamp, 1969.
SANTIN, S. Educação física: Da alegria do lúdico à opressão do rendimento.
Porto Alegre: Edições EST/Esef, 1994.
SILVA, T.T. da. “Sociologia da educação e pedagogia crítica em tempos
pós-modernos”. In: SILVA, T.T. da (org.). Teoria educacional crítica
em tempos pós-modernos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.
SOARES, C.L. “Imagens do corpo ‘educado’: Um olhar sobre a ginástica
no século XIX”. In: FERREIRA NETO, A. (org.). Pesquisa histórica
na educação física. Vitória: CEFD/Ufes, 1997, pp. 5-32.
SOBRAL, F. Para uma teoria da educação física. Lisboa: Diabril, 1976.
_______. “Cientismo e credulidade ou a patologia do saber em ciências
do desporto”. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, 17(2),
1996, pp. 143-152.
VEIGA NETO, A.J. da. “Currículo, disciplina e interdisciplinaridade”. Revista
Brasileira de Ciências do Esporte, 17(2), 1996, pp. 128-137.
WELSCH, W. Unsere postmoderne Moderne. Weinheim: Acta Humaniora,
1988.

Texto Complementar Professor Elenor Kunz

Entrevista com o professor Elenor Kunz

Entrevista feita pela revista "Pensar a Prática" com o professor Elenor Kunz. Para quem não sabe, este professor é uma das principais referências em Educação Física escolar quando se visualiza uma abordagem progressista de ensino. A entrevista já é um pouco antiga, mas mesmo assim recomendo a leitura, pois ajuda a entender um pouco mais da visão progressista em nosso componente curricular.

PP – Professor Kunz, o seu trabalho é considerado como um dos mais importantes hoje na área da Educação Física Escolar brasileira. Suas obras são bastante lidas e em alguns lugares consideradas referenciais para a prática pedagógica escolar. Em virtude desta importância, gostaríamos de saber quais foram às influências teóricas mais significativas de sua formação acadêmica e profissional.

KUNZ – No início da década de 80, quando começava um movimento de estudos fora das tradicionais referências biológicas na Educação Física no Brasil, iniciei meu doutorado na Alemanha, mais precisamente na Universidade de Hannover. Por indicação do professor Jürgen Dieckert, da Universidade de Oldenburg, também da Alemanha, que tinha sido meu professor no mestrado em Santa Maria (RS), fui aceito como orientando do Prof. Dr. Andreas Heinrich Trebels, um filósofo e professor de Educação Física. Quando expus a ele as minhas intenções de desenvolver um projeto pedagógico para a Educação Física brasileira, tive inúmeras dificuldades. Primeiro, porque meu campo de estudos até então tinha se constituído, basicamente, em teorias que envolviam o treinamento esportivo; portanto, pouca leitura no campo das ciências humanas e sociais e, especialmente, pedagógicas. O Prof. Trebels indicou-me, então, alguns livros da área pedagógica (em alemão, é claro), que, com enorme esforço, li e, praticamente, reli, devido às dificuldades da língua. Depois de algum tempo lendo as obras pedagógicas em alemão e assistindo às aulas de filosofia e pedagogia da Educação Física na Universidade, pensava que estava na hora de apresentar ao meu orientador a minha idéia de tese. Influenciado pelas leituras críticas e, também, pelo calor dos debates na Educação Física no Brasil, nesta época (1984-1985), que me chegavam, especialmente, através do colega Valter Bracht – que, em seguida, também foi para Alemanha realizar seu doutoramento –, queria revolucionar a Educação Física brasileira. Apresentada a idéia ao meu orientador, ele simplesmente disse-me que não poderia me orientar, pois minha manifestada intenção era a de uma mudança radical numa realidade que ele desconhecia e que não poderia influenciar com suas idéias desenvolvidas para uma realidade totalmente diferente (Alemanha). A não ser que, disse-me ele, encontrássemos um autor brasileiro ou latino-americano que pudesse ser lido em alemão, para que ele pudesse, pelo menos, ter uma idéia da nossa realidade. Fui, portanto, atrás deste autor, sem esperança e já meio desesperado por ter investido tanto no doutorado sem ter uma boa perspectiva de concluí-lo. Para encurtar a história, encontrei na Biblioteca Publica Municipal de Hannover uma vasta literatura de e sobre um autor brasileiro que passou a ser e é minha referência básica até hoje. Este autor, brasileiro, também marcou decisivamente o meu orientador, que o vem incluindo nas suas referências teóricas e nos seus seminários sobre didática e pedagogia dos esportes na Universidade. Com certeza, na época, havia mais livros deste autor na Alemanha de que no Brasil. Este autor era Paulo Freire. Com ele como base teórica, pude, então, me lançar com maior profundidade aos autores alemães: inicialmente, um autor da pedagogia chamado Klaus Mollenhauer, que já defendia uma teoria do agir comunicativo para a educação (antes de Jürgen Habermas na filosofia), e depois então me interessei e venho me interessando cada vez mais pelos autores da chamada Escola de Frankfurt, em especial Jürgen Habermas.

PP – Dentro de sua abordagem metodológica e mesmo conceitual, você aponta para a idéia ou conceito de cultura de movimentos. Poderia nos explicar melhor em que consiste esta categoria ou formulação explicativa da realidade da educação física?

KUNZ – Quando do movimento, no Brasil, de mudanças nos referenciais teóricos para o estudo e a pesquisa no campo da Educação Física, as primeiras implicações teóricas que, no meu modo de ver, permaneceram no estrito campo da Educação Física e esportes – outras fugiram demasiadamente do campo específico –, foram de ordem conceitual. Ou melhor, o objetivo era reconceituar aquilo que ultimamente venho chamando de temas fundamentais da área. Houve e está havendo certo exagero na re-conceituação do tema “corpo”, que, entre outros, era considerado fundamental e essencial para as mudanças pretendidas. Insisti e venho insistindo que, ao lado do tema corpo, a temática do movimento humano também precisa de uma conceituação desenvolvida pela ótica das ciências humanas e sociais, e não apenas mecânica e tecnológica. Isto ainda não vem acontecendo, enquanto sobre o tema corpo pode-se perceber certa inflação de escritos. Alguns deles, inclusive, mesmo querendo participar das discussões mais atuais, não contribuem muito. São os do tipo: “o corpo da criança na Educação Física”, “corpo do aluno no esporte” etc. Ora, é um exagero. Justamente quando queríamos – com a discussão sobre o corpo – diminuir as influências do dualismo antropológico de longa história na humanidade, a dicotonomia mente – corpo acontece isto, um verdadeiro reforço a esta idéia. Neste mesmo período, sentiu-se a necessidade de denominar e conceituar as manifestações de movimentos corporais (vamos chamar assim por enquanto) que já integravam certa cultura (embora este conceito não tenha sido suficientemente discutido). Optou-se então por cultura corporal (claro que em outras perspectivas este conceito já existia). Como já vinha insistindo na questão do movimento humano como objeto central para a nossa área, encontrei na literatura alemã o conceito de cultura de movimento, com uma certa sustentação teórica para tal. Passei, então, a utilizá-lo em lugar de cultura corporal. Assim, em 1994, com base em Dietrich e Landau, redefini cultura de movimento como sendo “todas as atividades do movimento humano, tanto no esporte como em atividades extra-esporte (ou no sentido amplo do esporte) e que pertencem ao mundo do ‘se-movimentar’ humano, o que o homem por este meio produz ou cria, de acordo com a sua conduta, seu comportamento, e mesmo as resistências que se oferecem a essas condutas e ações” (p. 68).




PP – Em suas obras você defende que, na constituição do processo de formação humana, algumas capacidades como a interação, a linguagem e o trabalho devem ser levados em conta. De que forma estes princípios se apresentam ou se relacionam no interior da prática pedagógica da Educação Física?

KUNZ – Bem, creio que aqui entra toda minha base didática e pedagógica para a Educação Física e me é impossível num curto espaço, como esta entrevista, esclarecer melhor do que já apresentei no meu livro Transformação didático-pedagógica do esporte. A idéia básica, no entanto, era a de abrir um leque de possibilidades para tematizações em Educação Física, que não se limitassem ao “saber fazer”, simplesmente. Sempre se anunciava sobre os valores socializadores, sociabilizadores e comunicativos da Educação Física, porém a gente poderia entendê-los como uma forma de desenvolvimento automático, ou seja, dentro e a partir das atividades práticas ministradas. Tematizações específicas eram dispensadas. Sendo assim, e com a crítica que conhecemos hoje da cultura de movimento hegemônica, especialmente a do esporte, sabemos de valores negativos desenvolvidos nestas atividades que em nada contribuem para uma formação de visão de mundo mais crítica e esclarecida. Precisávamos, portanto, tematizar concretamente em aula conteúdos que envolvessem as questões do desenvolvimento de uma competência social e comunicativa, além das tematizações de um “saber fazer” que denominei “competência objetiva”. Foi assim que as categorias “trabalho para o desenvolvimento da competência objetiva”, “interação para a competência social” e “linguagem para a competência comunicativa” foram criadas, com assuntos teórico-práticos relacionados a cada um deles. Obviamente, estas categorias abrem um leque muito abrangente de possibilidades temática em Educação Física. O principal é que sejam introduzidas paulatinamente, para que, inicialmente, se quebre a rotina do ensinar para um “saber fazer no esporte”.

PP – Ao pensar a Educação Física escolar articulando este conjunto de princípios, como você definiria a organização do trabalho pedagógico e a seleção dos conteúdos de ensino?

KUNZ – A organização do trabalho pedagógico e a seleção de conteúdos para o ensino da Educação Física são ainda os nossos maiores problemas. No meu entender, não se pode planejar, organizar e sugerir o trabalho pedagógico e os conteúdos a serem desenvolvidos a partir da mesa do pesquisador universitário. Devem os pesquisadores e os professores que atuam nas escolas brasileiras, juntos, desenvolver projetos que orientem esta organização e esta seleção de conteúdos. Vejo que existem algumas iniciativas neste sentido. O nosso Núcleo de Estudos Pedagógicos em Educação Física (NEPEF), da UFSC, tem realizado alguns projetos em parceria com prefeituras da região com este objetivo. Mas é muito pouco. Os cursos de mestrado em nosso país têm negligenciado em suas pesquisas esta tarefa. É muito fácil organizar um trabalho pedagógico e planejar conteúdos para a Educação Física no meu computador; o difícil é mudar a concepção de mundo, de ensino, de aluno, de Educação Física e Esportes, dos profissionais que dia-a-dia trabalham nas escolas e que não tiveram uma formação pedagógica para atuar, mas apenas técnica para o desenvolvimento das técnicas esportivas, em geral. E, para piorar, não há tempo e nem vontade (em razão dos baixos salários) para estudar. Meus trabalhos, embora sempre realizados com o envolvimento de profissionais que atuam em escolas, para as indicações práticas, também sempre tiveram o cuidado de, ao apresentar conteúdos, observar o sentido de exemplificação destas indicações. Deve-se ter o cuidado de não criar modelos e padrões fixos de referência para as atividades. No mundo em que vivemos já somos demasiadamente condicionados a seguir modelos e padrões. Nas nossas tentativas de desenvolver profissionais críticos, que saibam organizar o seu trabalho pedagógico e selecionar conteúdos a partir desta visão e da capacidade de estudar e elaborar situações de ensino, não foi muito bem-sucedido. Os profissionais que realmente assumiram esta condição de estudo e aprofundamento nas questões conceituais básicas para esta questão do ensino logo foram parar num curso de mestrado e, em conseqüência, abandonaram as escolas. Os demais se descobriram depois, estavam mesmo interessados no “como se faz”, ou seja, no modelo. Estamos fazendo uma tentativa de inverter este acontecimento, ou seja, problematizando situações práticas, partindo de situações concretas e conhecidas mas com novas apresentações que desafiem a compreensão teórico conceitual de questões fundamentais de ensino. Foi por isto que estamos publicando uma coleção de livros chamados de Didática da Educação Física; o primeiro volume já teve sua primeira edição esgotada. Além da segunda edição deste, já estamos editando para início de 2002 o segundo volume desta coleção. Esperamos ser bem sucedidos desta vez na tarefa de organização pedagógica e seleção de conteúdos para a Educação Física brasileira.

PP – Qual seria a base metodológica a ser desenvolvida pelo professor, em sua prática educativa e social no interior do currículo escolar?

KUNZ – Penso que a base metodológica que deve nortear todo trabalho pedagógico escolar precisa necessariamente incluir elementos de reflexão e crítica. Por isso, o melhor método é o que ensina problematizando questões da prática e do cotidiano, para que o aluno possa desenvolver um grau mais profundo de reflexão e, assim, poder abstrair da realidade vivida uma visão de mundo mais abrangente, profunda e realmente crítica. Isto implica uma outra coisa, que apresento sempre como central na minha concepção pedagógica e que foi uma das primeiras coisas que aprendi com Paulo Freire; ou seja, a didática do professor deve ser dialógica ou, como preferi nos meus escritos, comunicativa. Somente desta forma pode-se encaminhar uma meta educacional que seja emancipatória. A emancipação não tem limites, portanto é inalcançável, mas deve, no meu modo de pensar, ser meta de toda educação proposital e sistematicamente desenvolvida, como se pretende com a escola.

PP – Neste contexto, como deveria ser o processo de avaliação da aprendizagem na prática pedagógica da educação física escolar?

KUNZ – Este é um dos pontos que considero como um dos mais polêmicos na nossa área, pelas seguintes razões:
1) Ainda não temos uma organização de conteúdos hierarquicamente estruturada para os diferentes níveis de escolaridade;
2) Não temos ainda uma prática consistente de discussão, integração e avaliação da formação escolar juntamente com as demais áreas do conhecimento desenvolvidas na escola. Embora existam excelentes trabalhos pedagógicos para nossa área que, caso estivessem sendo realmente traduzidos para as realidades concretas do dia-a-dia dos profissionais nas escolas, resolveriam esta questão. Ficaria, assim, bem mais fácil falar de avaliação. Somos ainda uma área um pouco à parte do processo pedagógico que se desenvolve na escola. Para integrá-la é que estamos trabalhando.
3) Assim sendo, o que somos e fazemos, ainda, é o que deve, acima de tudo, proporcionar prazer e saúde aos participantes. Isto é confirmado pelo menos pela maioria dos profissionais que atuam nas escolas, ou seja, que pelas atividades de lazer e esportes sejam desenvolvidas o prazer e a qualidade de vida saudável dos alunos. Então, se é prazer e saúde e não há outra “cobrança” social maior, como no caso de outras disciplinas – um conhecimento imprescindível para o futuro vestibular ou para atividades do trabalho renomeado –, o que exatamente deve ser “cobrado” da Educação Física e que merece ser avaliado? Prazer e saúde não deveria ser uma insistente busca, não só de alunos, mas de toda uma população?

4) Relativizando agora um pouco a questão anterior, temos de refletir também sobre o seguinte ponto: vivemos numa sociedade orientada pelos princípios do rendimento. Nas instâncias, como a escola, as capacidades de rendimento são desenvolvidas, fica muito difícil não avaliar as atividades desenvolvidas com estes fins. Caso contrário, ou seja, ao abolir a avaliação das atividades realizadas nesta situação, corre-se o risco de valorosa. Assim, sem o poder de introduzir inovações e mudanças – como no nosso caso – que integrem melhor a área com os demais saberes da escola, não participaria da formação de alunos com capacidade crítica e emancipada.

5) Tudo isso teve o objetivo de dizer que a avaliação em todo o sistema escolar é tremendamente problemática – e para nossa área talvez mais ainda. Sei apenas que ela precisa se orientar na concepção de aluno, de sociedade, de escola, de ensino, etc. defendida pelo professor.

PP – Para alguns estudiosos de suas obras, não fica muito claro qual o conceito de esporte que você defende, seja ele de forma ampliada como também em forma específica no interior da escola. Poderia nos explicar melhor esta questão?

KUNZ – No livro Transformação didático-pedagógica do esporte discute os conceitos “amplo” e “restrito” do esporte e questiono a opção normalmente seguida pela Educação Física Escolar pelo último conceito; ou seja, o conceito de esporte baseado na competição e no espetáculo, na performance e na mercadoria. Embora o esporte não possa ser simplesmente abandonado, depois de tanto tempo de hegemonia no interior da Educação Física, precisa, no entanto, passar por um processo que denominei “transformação didático-pedagógica”. Ao mesmo tempo, pelo critério de um esporte no sentido amplo, que defendo, deve ser possível também que na escola se discutam e desenvolvam, na medida do possível, as novas manifestações esportivas, tipo skate, trilhas e outras – especialmente aquelas ainda não marcadas pela publicidade e mídia. Enfim, num texto recentemente publicado no livro Educação Física Escolar: política investigação e intervenção, organizado pelo Francisco Eduardo Caparroz, discuto a necessidade de se aprofundarem mais e melhor alguns temas fundamentais e, entre estes, coloquei o esporte. Assim, afirmo que, para melhor compreender o fenômeno esportivo, a abordagem teórica deveria ser conduzida em três diferentes planos, conforme as estruturas representativas de seu desenvolvimento, ou seja, os níveis de:

1. “Representação prática, quer dizer, de sua efetiva realização em diferentes contextos, formas e participantes”:

2. Representação da imagem midiática, isto é, da formação de significados e parâmetros de agir no e pelo esporte a partir da imagem fornecida pela mídia;

3. “Representação simbólica, que ocorre com a construção de uma simbologia da realidade esportiva, a partir de conceitos teóricos especialmente desenvolvidos pelas ciências do esporte” (p. 21).

PP – Nós, da Universidade, temos como práticas constantes a reflexão, a sistematização e o enquadramento das produções teóricas dentro de perfis políticos, matrizes conceituais e contextos filosóficos. Em razão disto, perguntamos em qual contexto político-filosófico você enquadraria as suas obras hoje?

KUNZ – Eu não enquadro, eu não quero “gavetas” para minhas produções. Considero que, no início da carreira de um pesquisador, é até salutar seguir determinados autores, com uma tendência político-filosófico claramente definido, e permanecer apenas nesta linha de discussão, para não se tornar incoerente política e epistemologicamente. Porém, se a partir deste entendimento, os autores que possivelmente apresentarem outros modos de pensar e trabalharem com outros conceitos de homem e mundo não puderem ser lidos e muito menos usados como referência para algum tópico especial de discussão, então há um doutrinamento e uma perda total do livre-pensar e do poder de auto-reflexão crítica. Estou exagerando na exposição, porque creio que este modo radical, como acima expôs, não vem acontecendo entre nós, na Educação Física, mas já estivemos bem perto disto. Minha tese sobre a questão político-filosófica e que venho tentando sustentar, enquanto as teorias que estudo ainda me apóiam nesta idéia, é: deve haver certa distinção no agir político e no agir pedagógico. Isto não significa que, quando atuo politicamente num sindicato, num partido, eu deixo de ser pedagogo e vice-versa. Ou seja, quando ensino, também não deixo de fazer política. Em que então se deve diferenciar? Deve-se diferenciar no modo de atuar. Qualquer cidadão com um mínimo de possibilidades de esclarecimento de mundo, com um mínimo de acompanhamento crítico sobre as relações econômicas, sociais e culturais – especialmente a primeira – do mundo em que vivemos não pode estar de acordo com o processo de globalização, com o neoliberalismo, com a dominação econômica e cultural de poucos países ricos sobre os demais países do mundo. Enfim, o planejamento econômico mundial dominante e a tendência de, numa velocidade eletrônica, no sentido mais global, enriquecer os mais ricos e empobrecer os mais pobres. Se for alguém esclarecido também nas ciências, num modo filosófico crítico de entender ciências, vai culpar também, ao lado das questões políticas, o modo e os espaços ocupados pela racionalidade científica na confirmação desta organização mundial. Isto, portanto, carece de um enfrentamento político. Temos aí inúmeras instâncias a que um profissional esclarecido e pertencente à elite cultural do país, como os professores universitários, precisam estar vinculados. Agora, na atuação pedagógica, os principais, crêem, não é a formação pela opção definitiva da estudantada ao enfrentamento direto destes problemas político-sociais (como nos partidos políticos, por exemplo), mas, sim, para uma compreensão crítica e desvelada da realidade em que vivemos. Assim sendo, pelo agir pedagógico uma ideologia dominante não pode simplesmente ser combatida por outra ideologia, mas devem-se desenvolver as condições de possibilidade, pelo uso da auto-reflexão crítica, para o desenvolvimento de competências e potenciais superadores da atual condição político-social do país e do mundo. Vale lembrar à máxima: “uma cabeça bem-feita vale mais que uma cabeça bem cheia”, mesmo que esta seja cheia de “esclarecimentos políticos”.

PP – Que tipo de expectativa transformadora você advoga para a escola? Quais seriam as contribuições da Educação Física Escolar neste projeto?

KUNZ – A escola só terá a devida atenção e força transformadora em casos extremos. Ou seja, finalmente, e de um modo repentino, a sociedade (a política e a mídia por excelência) vem entendendo que os problemas sociais que enfrentamos hoje são seríssimos e comprometem o futuro mais imediato desta sociedade, deste país e do mundo. A única solução que ainda se pode vislumbrar, então, reside numa melhor formação das gerações mais jovens. Percebesse que há certo despertar para isto no mundo inteiro, menos no Brasil, é claro, pois ainda estamos acreditando no “Voluntário da Escola”, me parece. Mas, grandes intelectuais, filósofos, sociólogos e cientistas estão divulgando obras atualmente acerca desta preocupação com a formação dos jovens, especialmente de uma formação menos técnica, voltada para as competências do mundo do trabalho. Enfatiza-se, assim, uma formação político-filosófica e humana, para que este ser humano volte-se novamente às relações afetivas e não apenas comerciais. Assim, tenho um certa esperança a de que a escola e a formação humana, em geral, possam ser cada vez mais valorizadas no mundo. Caso isto venha a acontecer, acredito também (esta é minha utopia concreta) que a Educação Física possa participar decisivamente, inclusive com as primeiras idéias mais radicais, nesta transformação. Desenvolvi uma idéia sobre isto. Está, é claro, no processo embrionário ainda, mas ela é desenvolvida sobre o pensamento dos “desvios da personalidade”, vamos chamar assim. Estes desvios acontecem em todo ser humanos pela força das agências de anunciação externas a ele, ou seja, tudo que sou devo às referências externas a mim e que me são impostas. Ou seja, pela velocidade com que estas referências externas me são apresentadas, não tenho tempo e condições de avaliá-las, apenas de assumi-las. Assim, torno-me um consumista de tudo que se apresenta no mundo exterior e que me é acessível; transformo-me, me desenvolvo em conformidade com estas referências de mundo. Não sou mais aquilo que por minhas próprias capacidades e condições naturais poderia ser, mas sou de acordo com o meu poder de acesso às referências externamente colocadas para me ajustar a elas. Sou o que o mundo quer que eu seja. Sou um filho da publicidade. É por isto que há esta busca desenfreada no mundo por um retorno ao EU menos condicionado. Só que de uma forma completamente maluca. Drogas, diferentes tipos de religiões e seitas, fuga dos complexos urbanos etc. Todos sentem hoje, indistintamente, uma ausência de conhecimento de nós próprios, e esta é a busca que todos, de forma intuitiva, estão perseguindo, pensam eu. “Conheça-te a ti mesmo e conhecerás o Universo”, foi à mensagem deixada pelos sábios da Antigüidade e que teimamos, pela nossa ciência, pela nossa educação, em protelar. Temos sempre coisas mais interessantes e mais necessárias a descobrir e aprender. Enfim, estou trabalhando numa idéia que envolve a Educação Física, especialmente o movimentar-se humano, em determinadas situações e contextos e que dá abertura a esta possibilidade: este despertar para um conhecimento de si. Sei que existe uma longa caminhada em torno disto, ainda, e não poderei dar neste curto espaço mais esclarecimentos e informações a respeito. No livro Didático da Educação Física II, a ser lançado neste ano, aborda esta temática e apresento algumas exemplificações práticas para esta atividade.

PP – Você acredita que os PCNs trazem contribuições relevantes para mudar o cenário da Educação Física Escolar?

KUNZ – Não. Não duvido que os PCNs, em geral, possam apresentar algumas contribuições ao trabalho com o conteúdo escolar da Educação Física, já que somos realmente extremamente carentes nesta área. Porém não acredito que os PCNs possam ser relevantes no sentido de uma transformação da área. Até porque já temos contribuições significativas para estas mudanças mais radicais na Educação Física, em termos de conteúdos e concepções político-pedagógicas. O problema é o acesso dos profissionais que atuam nas escolas brasileiras a estas concepções. Se nosso governo tivesse, pelo menos, a preocupação de possibilitar este acesso, teria sido muito melhor (e provavelmente com os mesmos gastos) que a “confecção” apressada de parâmetros norteadores de conteúdos das disciplinas escolares. Agora, no meu entender, o que competiria aos órgãos públicos, com relação à miséria da educação brasileira, especialmente no ensino fundamental e médio, não é a apresentação de novos conteúdos. Para realizar isto, temos profissionais pesquisadores e universidades com muito melhores condições e idéias que o governo. Caberia, sim, ao governo fazer o que é de sua máxima competência e responsabilidade de fato, qual seja, criar as condições físicas e oferecer salários justos para que professores possam realizar um bom trabalho.

PP - Você acredita na possibilidade de construir uma pedagogia de esquerda no campo da Educação Física escolar brasileira? Quais seriam os elementos teórico-práticos balizadores de sua ação pedagógica?

KUNZ – Acho que a Educação Física tem conquistado um espaço de atuação nas chamadas políticas de esquerda que se destaca no cenário educacional brasileiro. Basta olhar, por exemplo, na relação das lideranças locais e nacionais do comando da greve, recém-finda, dos professores de universidades federais. Com certeza a porcentagem de participação nestas comissões, por parte de professores de Educação Física, bate qualquer área. Temos também melhorado muito os nossos discursos político-pedagógicos, não mais confundindo o discurso pedagógico com o discurso político nos termos acima colocados [pergunta acima]. Estamos conseguindo ampliar e aprofundar muito a nossa competência política sem abandonar e esquecer a competência técnica. Creio que um momento decisivo neste desenvolvimento foi – e é – a atuação do CBCE (Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte). Penso que o CBCE deve continuar centralizando a condução desta política na Educação Física, pois como entidade científica tem o compromisso com os fundamentos te órico-científicos das competências técnicas dos profissionais. Mas, ao mesmo tempo, como instância de mobilização de um contingente de profissionais e de vigilância sobre o desenvolvimento de políticas sobre ciência, tecnologia e educação no País, o CBCE tem, também, o compromisso e a oportunidade de discutir e fomentar nossa competência política. Neste sentido estamos, creio, muito bem e em franco desenvolvimento. O que poderia estar contribuindo, e muito, para este desenvolvimento – e não está acontecendo – são os nossos programas de pós-graduação no País. Parece que nossos cursos de mestrado e doutorado estão mais preocupados em cumprir as exigências da CAPES do que em discutir realmente prioridades no desenvolvimento científico de nossa área. Se fizessem isto, ficaria incontornável a discussão de fundo político. Poderia, assim, abrir-se um espaço ainda maior para o desenvolvimento imprescindível para as mudanças desejadas pela maioria da população brasileira. Enfim, uma política geral, o que implica dizer governamental, mais justa e igualitária do que a que tem.




PP – É do conhecimento da comunidade da Educação Física que você apresentou importantes contribuições à Comissão de Especialistas da SESu/MEC na elaboração das Diretrizes Curriculares para a Educação Física. Hoje qual a sua principal crítica sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores da educação básica aprovada pelo CNE?

KUNZ – Não sei se minhas contribuições foram realmente importantes. A questão da formulação de diretrizes nacionais foi a coisa mais confusa e polêmica que pude observar, e de perto, na condução da política educacional brasileira. Como presidente da comissão que elaborou as diretrizes para Educação Física, deveria apresentar, neste espaço, uma discussão mais de conteúdo do que qualquer outra coisa, mas é impossível. Explico. Começamos a elaboração destas diretrizes em 1997 com um levantamento nacional, realizado pela comissão da época, sobre a situação da formação profissional em Educação Física, especialmente relacionada à Resolução 03/87, diretriz vigente até hoje. O resultado deste levantamento foi apresentado no X CONBRACE em Goiânia naquele ano. A nova diretriz, elaborada pela comissão de 1998/1999, encaminhada à SESu em meados de 1999, recebeu parecer favorável e foi imediatamente encaminhada ao Conselho Nacional de Educação para aprovação final. Havia nesta diretriz algo central, e que eu considerava de grande importância para ser discutido nacionalmente, sobre a nossa formação profissional. Tratava-se da necessidade de desenvolvimento de conteúdos pedagógicos e de conhecimentos sobre indivíduo e sociedade, considerados imprescindíveis para o trabalho com seres humanos, seja no âmbito escolar, no lazer ou no treinamento. Pelo que pude observar em conversas com outras comissões, esta foi a tônica da maioria das novas diretrizes. Logo, se a preocupação do Ministério de Educação era com a formação pedagógica dos profissionais que trabalham em educação no Brasil, a implantação imediata (incluindo uma ampla discussão nacional) daria certamente um primeiro e grande passo nesta direção. Mas as que assistem? O governo criou e vem criando novas instâncias com a intenção de atingir a qualificação dos profissionais que atuam na educação. Entre elas os chamados institutos de educação, as diretrizes gerais (referidas nesta questão) etc. Permitiu, também, o que acho mais incrível: que outras instituições, como o CONFEF, no nosso caso, mandassem novas sugestões, com seus interesses particulares, para as diretrizes que já estão no Conselho para serem aprovadas. Soube que existem seis propostas de diretrizes de Educação Física no Conselho, para que se aprove uma delas. Então como é possível discutir algo sério neste País? O governo, através do MEC, parece estar fazendo de tudo para impedir que algo elaborado para melhorar a qualidade de ensino no País seja implantado para evitar o já previsível fracasso. Afinal, o governo é sabedor (como todos nós sabemos) de que sem salário digno e sem condições materiais para um trabalho pedagógico, muito pouco – para não dizer nada – pode ser feito para trazer melhorias substanciais na qualidade de ensino de nossas escolas. Então, considerando isto, encerrei minha singela participação na questão das diretrizes no patamar inicialmente pretendido pelas instâncias governamentais.

PP – Segundo a sua visão, qual será a tendência dominante para o estabelecimento do perfil profissional da Educação Física para o Brasil, no terceiro milênio?

KUNZ – Vejo que há uma tendência muito forte para uma divisão da atual forma de conduzir o processo de formação dos profissionais de nossa área. A tendência de concepção funcional-biológica na formação de técnicos esportivos e instrutores de academia, entre outros, vão se separar da tendência de concepção pedagógica e lúdica da Educação Física. Não gostaria de fazer análises sobre as conseqüências positivas e negativas que isto certamente irá acarretar. Porém temos de estar preparados. Todos aqueles que, como eu, luto pela concepção pedagógica deverão se preparar mais ainda, pois nosso poder se reduzirá unicamente à nossa argumentação político pedagógica. Poderemos nos tornar a classe pobre da Educação Física, aquela que terá de buscar suas verbas de pesquisa no MEC, onde nunca há recursos. Enquanto os outros, além do Ministério do Esporte, ainda terão cada vez mais acesso a outras instâncias de fomento à pesquisa. Por outro lado, também, quero acreditar que o Brasil está passando pelos últimos instantes de uma política reacionária e elitista, e novas concepções políticas no poder certamente irão favorecer o campo educacional, em geral, e a Educação Física Escolar, em particular. Assim, com a nossa competência político-educacional bem desenvolvida, talvez possamos mostrar prioridades e ganhar o apoio para o desenvolvimento de uma Educação Física de uma forma crítica, emancipada e suspiradora dos problemas que ainda tão pesadamente afligem, não apenas nossa área, mas a educação, a saúde, enfim, o trabalhador em geral.